Crítica: Pompa atrapalha Karim Aïnouz no suspense 'O Jogo da Rainha'

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Um ano e sete meses depois de competir à Palma de Ouro no Festival de Cannes, "Firebrand", a estreia do cearense Karim Aïnouz numa produção internacional falada em inglês, chega aos espectadores brasileiros. Nem a boa repercussão de "Motel Destino", trabalho seguinte do diretor que também esteve em Cannes, na edição de 2024, foi suficiente para que o drama de 2023 ganhasse as telas do país natal do cineasta. Traduzido para "O Jogo da Rainha", o filme saiu diretamente no Prime Video.

O desaparecimento de "O Jogo da Rainha" entre Cannes do ano passado e agora até poderia se explicar se houvesse relatos de brigas de bastidores ou de produção, ou até se o filme fosse um fracasso absoluto de realização. Nada disso se aplica, porém. Ainda que seja um tanto gélido na atmosfera de intrigas palacianas típicas do cinema histórico inglês sobre reis e rainhas, o longa-metragem captura a atenção com relativa eficiência, especialmente na abordagem próxima a um thriller de suspense adotada por Aïnouz.

Adaptado de um romance de Elizabeth Fremantle, "O Jogo da Rainha" reconstitui parte da trajetória de Katherine Parr, sexta esposa do rei Henrique VIII que, em meados do século 16, teve a façanha de ser a única parceira do regente a sobreviver a ele, já que todas as outras tiveram mortes sinistras, várias sendo frutos da violência do marido.

Parr é interpretada pela ganhadora do Oscar Alicia Vikander, que divide a tela com Jude Law. Eles formam o estranho casal da realeza britânica cuja interação se configura entre a opressão e brutalidade dele e os medos e impetuosidades dela. Tudo acontece em meio às tensões de uma gravidez que pode dar errado e de uma ferida purulenta que coloca a vida de Henrique VIII em risco, além de atividades obscuras de Parr em relação a crenças religiosas.

O relato em "O Jogo da Rainha" é menos preocupado com a precisão de acontecimentos do que com impactos emocionais das ações e provocações entre o rei e a esposa, mas a tradição inglesa pesa contra o encadeamento.

Se Aïnouz tenta aproximar o relato ao tom desesperador e trágico de uma perseguição, promovendo o jogo de gato e rato de alcova entre Parr e Henrique, as atuações seguem a padronização desse tipo de projeto, com um Jude Law especialmente desarticulado no antagonismo que o roteiro lhe impõe, dada a natureza brutal do personagem.

Vikander, centro nervoso do filme, também parece um tanto deslocada da atmosfera buscada na direção, ainda que sua movimentação pelos vários cenários internos e externos dê-lhe mais liberdade criativa, enquanto Law não consegue ir além do grotesco na imobilidade crescente do rei.

O filme fica em constante busca por reequilibrar as várias forças em atuação, aproveitando-se da direção de arte cheia de rebuscamentos exuberantes que garantem alguma imersão nos meandros do enredo.

Só que as intrigas palacianas de "O Jogo da Rainha" justamente em 2024 podem soar um tanto reiterativas a quem acompanhou a modorra da segunda temporada de "A Casa do Dragão", derivado de "Game of Thrones" amplamente criticado por falar demais e mostrar de menos.

Por vezes a sensação é de se estar vendo um episódio da série do canal Max transportada para o mundo "real" —sem dragões, mas com questões parecidas, inclusive nas disputas de gêneros para a sucessão do trono.

Até por sua natureza, "O Jogo da Rainha" se sai melhor, justamente por existir um arco dramático que o filme precisa cumprir logo. Só não é suficiente para tirá-lo daquela edulcoração inglesa sem personalidade que caracteriza tantas produções como essa.

Ecos dos interesses artísticos de Aïnouz piscam aqui e ali, mas pouco se tem a fazer de muito singular sob contrato num projeto dessa envergadura. Não seria exatamente um grande problema, tivesse o filme mais energia e menos pompa.

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