Crítica: 'Meu Bolo Favorito' une romance e política ao investigar povo iraniano

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A primeira coisa a se dizer sobre "Meu Bolo Favorito", do casal Maryam Moghadam e Behtash Sanaeeha, é que representa, com algumas variações, o que o público ocidental entende por cinema iraniano, sobretudo aquele que Abbas Kiarostami e Jafar Panahi ajudaram a difundir a partir dos anos 1990.

Isto não significa necessariamente um problema. A familiaridade pode nos ajudar a entender melhor certas estratégias de construção narrativa. Neste caso, já ficamos de pronto antenados aos sinais de reação a um estado de coisas.

Porque o filme representa também, por ser claramente crítico ao regime iraniano atual, um problema para seus diretores, que tiveram seus passaportes retidos pelas autoridades e não puderam divulgar o filme nos festivais por onde ele passou, com algum destaque, vale dizer.

De um modo geral, podemos falar em cinemas iranianos do mesmo modo que deveríamos falar de cinemas indianos, chineses ou brasileiros. São países de cultura muito rica, com muitas possibilidades e muitas manifestações.

Mas as características que nos acostumamos a ver no cinema iraniano são novamente encontradas aqui: economia de recursos, atenção ao cotidiano de pessoas comuns, um certo realismo que pode ou não se abrir ao fantástico, crítica social, sutis desafios à ordem vigente.

A liberdade que se tem dentro de casa ou da casa de amigas não é a mesma que se tem nas ruas, onde uma tal de "polícia da moralidade" atormenta qualquer pessoa que não vive pelas regras do fanatismo religioso. Imaginem como é a vida de uma mulher nessas condições.

A abertura de "O Círculo", de 2000, grande filme político de Jafar Panahi, ainda impressiona, muitos anos depois. Uma senhora anda desesperada por um hospital porque um bebê que acaba de nascer é do sexo feminino. A condição de ser mulher num país extremamente machista é explicitada por um dos mais belos e tristes momentos do cinema nos últimos anos.

Em "Meu Bolo Favorito", a pungência crítica que podemos ver nesse e em outros filmes de Panahi é substituída pela delicadeza crítica. Mesmo com a evidente opressão, é possível que uma mulher idosa procure a felicidade e ainda encante as pessoas com simpatia e sorrisos.

Mahin é uma viúva de 70 anos que vive sozinha desde que a filha se mudou para a Europa. Faramarz é um taxista de 70 anos que se separou de sua esposa e nunca mais encontrou o amor. Ela cozinha bem, mas não tem quem coma sua comida. Ele não cozinha nada, e não tem quem cozinhe para ele.

Um encontro perfeito, engendrado pelo acaso, fadado a uma relativa longevidade e incentivado pelas iniciativas avançadas de Mahin, sempre correndo o risco de desagradar a moral vigente.

Num começo de noite, ela pede o serviço daquele taxista em especial, que havia visto almoçando, solitário, num restaurante para aposentados. Apesar de não ser a sua vez de fazer a corrida, ele acaba cedendo ao canto daquela sereia.

Mahin logo coloca as cartas na mesa, e Faramarz se encanta com a liberdade que ela representa. Eles jantam juntos, bebem vinho, dançam bastante. Se forem apanhados pela "polícia da moralidade", podem ser forçados a se casarem. Riem bastante da ideia. A noite fica leve para eles, agradável como há muito não acontecia.

Interpretados, respectivamente, por Lili Farhadpour e Esmaeel Mehrabi, Mahin e Faramarz nos encantam como poucos apaixonados recentes do cinema. Acabaram de se conhecer, e acabamos de os conhecer, e já desejamos que sejam felizes por muitos anos.

E olha que nem estamos numa comédia romântica típica, em que desencontros acontecem resumidos em cenas de videoclipe e a crise antecede a obrigatória reconciliação.

Mas a vida reserva golpes e obstáculos a qualquer pessoa que a viva com intensidade. Um desses obstáculos, provavelmente o maior, é morar num país tomado pela opressão social, no qual as bebidas alcoólicas estão proibidas e as mulheres não podem andar pelas ruas mostrando seus cabelos.

Eles não anulam, contudo, o belo caso de amor mostrado neste filme que une delicadeza e inteligência como poucos.

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