Como Osho, Charles Manson, Jim Jones, Marshall Applewhite e David Koresh atraíam tanta gente para os seus círculos, pessoas cuja devoção as levou a caminhos tão sombrios?
Esta é a pergunta que o quadrinista americano Nick Drnaso faz em seu novo trabalho, "Aula de Teatro", recém-lançado pela editora Veneta.
A premissa é simples. Um grupo de pessoas se reúne toda quarta-feira à noite para uma série de aulas gratuitas de teatro. Todos chegaram ali por causa de panfletos divulgando os encontros.
Seus perfis são variados: homens, mulheres, mães, casais, avós, deficientes, criminosos, todos com os mais variados problemas, rotinas excruciantes e sem muito propósito. O grupo tem em comum o fato de estarem fora de sintonia com seu ambiente e desesperados por uma mudança.
Lá, sob a orientação de John Smith, professor de teatro há 35 anos, os presentes têm contato com os seus demônios interiores à medida que vida real e imaginação começam a se confundir. Ao mesmo tempo, perguntam-se: por que continuam indo nessas aulas?
A resposta vem do próprio professor. "As pessoas que pegam panfletos e aparecem em cursos grátis tendem a ser caçadores inquietos", diz ele em dado momento da trama.
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Apesar de parecer insuspeito à primeira vista, sendo só um homem de meia-idade, o que Smith fala e como fala desperta uma inquietação, e é por isso os participantes decidem voltar para a aula seguinte. Eles querem saber como a história continua e qual o papel deles ali.
Aos poucos, vai ficando claro que eles estão sendo cooptadas para algo maior. Mas Drnaso jamais mostra o resultado disso. O autor está preocupado com o caminho até lá, com como uma pessoa se radicaliza.
A HQ tem muitos méritos. O principal deles é o misto de inquietação e tédio que surge a cada virada de página. Ao mesmo tempo que seus personagens despertam curiosidade, têm rotinas comuns, o que os torna relativamente monótonos.
Se em "Sabrina", trabalho anterior do quadrinista, Drnaso analisava o impacto profundo das fake news na sociedade, aqui ele dá um passo atrás e tira a tecnologia do jogo para focar a questão do vazio e na marginalização que leva as pessoas a procurarem alguém que diga a elas o que fazer em suas tentativas de preencher suas lacunas interiores.
A princípio, Smith não parece seguir à risca as cartilhas do extremismo populista para cativar seus alunos. Não grita, não se exalta. Usa estudos para embasar sua filosofia. Afirma diversas vezes que seus alunos devem confiar nas técnicas ensinadas acima de tudo.
Aos poucos, porém, essa autoridade derivada de uma suposta racionalidade é posta em xeque. Por exemplo: a certa altura, o professor diz ao grupo que uma pesquisa mostrou que quem acredita em algo vive mais. É confrontado por uma aluna que leu o mesmo artigo e argumenta que não era bem aquilo que o texto dizia.
Ela é rechaçada pelos colegas —é comum nas seitas que as pessoas acreditem em teorias da conspiração como uma maneira de se sentirem especiais.
O quadrinho se beneficia de momentos de surrealismo, em que as cenas que os personagens desenvolvem em suas cabeças mudam toda a realidade à volta deles.
É no desenho, contudo, que "Aula de Teatro" peca. O estilo underground de Drnaso já estava presente em "Sabrina", e aqui ele evolui alguns aspectos. Mas seus traços genéricos parecem incapazes de expressar toda a gama de sentimentos conflitantes que seus personagens experimentam e dificultam, nesse sentido, desenvolver algum tipo de identificação com eles.
No fim, ao refletir sobre o pertencimento das pessoas nesse grupo e acerca da influência que Smith exerce sobre eles, podemos apenas concluir que Nick Drnaso veria em Pablo Marçal um excelente material de trabalho.