Crítica: Domenico Starnone, pessimista nato, enfim enxerga o amor possível

há 3 semanas 1

Domenico Starnone é um dos escritores mais prolíficos e celebrados da literatura italiana hoje. Nascido em 1943 em Nápoles, já venceu o prêmio Strega e é casado há décadas com a tradutora Anita Raja —o nome que estaria por trás do pseudônimo Elena Ferrante.

No Brasil, seus livros foram publicados pela editora Todavia: "Laços", "Segredos", "Assombrações", "Dentes" e, agora, "Línguas", todos traduzidos pelo experiente Maurício Santana Dias, professor de literatura italiana na Universidade de São Paulo.

As obras disponíveis por aqui são romances curtos, com menos de 200 páginas, mas eles têm em comum uma densidade notável. Meu favorito era "Assombrações", que considerava o mais original e bem trabalhado, até ler "Línguas", com sua poética equilibrada, e ficar dividida.

"Segredos" e "Laços" também são romances interessantes e, dentre todos, "Dentes" talvez seja o mais fraco. Ainda assim, está acima da média se levarmos em consideração a literatura contemporânea.

Starnone, que hoje tem 81 anos, estava muito interessado em explorar a crise da masculinidade no final do século 20 e início do século 21.

Seus personagens homens são expostos de forma frágil e errante, algumas vezes ridicularizados, como vemos em "Dentes". E sua abordagem nessas obras tinha um tom sobretudo pessimista, capturando o mal-estar sem apontar qualquer possibilidade de saída ou redenção.

Essa abordagem tem seu valor, mas me parece que, criativamente, é ainda mais rico quando temos um pouco de balanço, em que limites são testados e experimentados ora de maneira negativa, ora de maneira positiva, como é a vida ela mesma. Em "Línguas", ele é especialmente bem-sucedido nisso.

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Em italiano, o romance recebeu o título de "Vita Mortale e Immortale della Bambina di Milano" (ao pé da letra, "Vida mortal e imortal da menina de Milão") e foi publicado em 2021, o que poderia sugerir um novo frescor do olhar trazido pelo envelhecimento do autor e pelas experiências dos últimos anos.

Não à toa, o romance retoma a infância do narrador, relembrada em cores vívidas, e contrasta duas figuras femininas fascinantes: uma menina por quem ele está apaixonado, aos oito ou nove anos, e que dança na varanda com a elegância e a destreza de uma bailarina; e a avó, muito mais velha, escanteada pela casa, mas por quem tem especial apreço e que lhe conta causos que o encantam.

Em certo sentido o romance lembra "A Amiga Genial", o primeiro volume da tetralogia napolitana de Ferrante, por retomar a infância como fio narrativo; pela presença de Nápoles, com todos seus paradoxos; pelo contraste entre o italiano dos livros e o dialeto do dia a dia.

As duas obras também têm em comum o fascínio que uma personagem exerce sobre quem narra e as referências aos mitos clássicos, como o de Orfeu, que aparece logo na primeira página de "Línguas", bem como as passagens de metalinguagem, em que reflete sobre a própria escrita.

No entanto, há algo que também o difere. A concisão aqui é trabalhada de forma mais poética, com lindas frases que aparecem na medida, dando ao livro um tom harmonioso, que oscila bem entre a crueza do realismo, e certo olhar mágico próprio da infância, que o narrador mantém, em parte, também na velhice.

Foi uma boa surpresa encontrar esse autor em geral tão cético e pessimista falando do amor possível, com delicadeza e vigor. O livro é dedicado aos seus amigos e colegas de escola e talvez guarde algo de nostalgia, mas sem enveredar demais por essas águas. Uma leitura firme, precisa e um pouco singela, que encanta do começo ao fim.

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