Crítica: Adaptação de 'É Assim que Acaba' faz leitura sensível da violência

há 4 meses 23

"A lembrança mais antiga de minha vida é de quando eu tinha dois anos e meio. Eu me lembro de escutar meu pai gritando, então espiei bem no instante que ele pegou nossa televisão e a jogou em minha mãe". Assim começa a nota de Colleen Hoover nas últimas páginas do "É Assim que Acaba", best-seller mundial que agora ganha uma adaptação nos cinemas.

Nesse mesmo texto, a autora ainda conta que, apesar de entender que sua escrita não serve "para educar, persuadir ou informar", também compreende que esta narrativa não serviu de entretenimento.

O longa conta a história de Lily —papel de Blake Lively—, uma jovem que começa a se envolver em um relacionamento abusivo, ao mesmo tempo em que abre sua floricultura e tem uma relação antiga da infância que precisa ser resolvida. Lively é também a produtora executiva, enquanto seu par, Riley, é encarnado por Justin Baldoni, também diretor do filme.

Uma produção, diga-se, marcada por polêmicas, como a diferença de idade dos atores para os personagens e brigas nos bastidores.

O teor da trama, constantemente acusada de romantizar o relacionamento abusivo, foi repensado nessa adaptação. Apesar de ser fiel ao livro, preferindo as interações entre os protagonistas às tramas paralelas e diários que conduzem a versão literária, o filme não apenas é mais cuidadoso com o público, como permite uma maior empatia. Temos acesso às conjecturas da personagem e vivenciamos aquilo colados à sua perspectiva.

Na primeira cena de violência, nos assustamos pelo seu tom abrupto e veloz. A passagem, inspirada numa experiência da mãe da autora, mostra Ryle tentando pegar uma assadeira no forno, quente, sem auxílio de luvas. Com a dor, ele desfere um tapa no rosto de Lily.

No livro, a cena é mais intensa, com detalhes de como Ryle se machucou, com uma descrição detalhada. No cinema, mal dá para entender o que houve. Quando percebemos, Lily já está com o rosto roxo, enquanto cobre os hematomas com maquiagem.

Esse imediatismo cinematográfico traduz bem a sensação de fragilidade de uma violência. Se não fossem os constantes "flashbacks" que mostram a cena quase em câmera lenta, o público quase acreditaria que tudo foi, de fato, um mal-entendido.

Pela sequência de acontecimentos sendo vistos pouco a pouco, vamos sentindo na pele quão difícil é compreender uma violência. E, se já é difícil compreendê-la, imagina sair dela.

Traçando sempre paralelos entre as relações paternas e maternas, percebemos também as consequências desastrosas que relacionamentos violentos podem trazer não só para quem é o alvo, mas também para todos que estão ao redor.

Apesar disso, é importante destacar que a parte ficcional se evidencia quando percebemos que, apesar de tudo que passa, Lily sempre tem uma rede de apoio. Especificamente na adaptação, portanto, essa seria a parte mais romantizada durante a narrativa. Mas, ainda assim, é um romance, não um documentário.

Sendo eu mesma uma sobrevivente de violência doméstica e entendendo as proporções que o filme deve ter, saí emocionada. É uma história adaptada de um best-seller, voltado para um público mais novo, que inevitavelmente (e que bom) vai alcançar também um público mais amplo.

Por isso mesmo, "É Assim que Acaba" pode mostrar um lado diferente de um problema grave e fazer outras muitas mulheres quebrarem um padrão em tempo, antes que aquilo acabe com elas.

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