Criada há 100 anos, Folha da Manhã se voltou para profissionais liberais

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"A função do jornal é informar. Mas informar não é apenas noticiar: é, a um tempo, selecionar e orientar. No esforço de selecionar se acha subentendida a obrigação de criticar", disse o jornalista Olival Costa.

Essa clareza em relação aos objetivos de um jornal e o empenho de uma equipe reduzida, comandada por Olival e Pedro Cunha, foram essenciais para que a Folha da Noite se firmasse na imprensa paulistana.

Criado em 19 de fevereiro de 1921, há 104 anos, o jornal se aperfeiçoou no campo editorial e obteve resultados financeiros satisfatórios.

Um "jornal popular" na definição de seus diretores, a Folha da Noite falava aos operários, aos pequenos comerciantes e a alguns novos segmentos da classe média em uma cidade com cerca de 580 mil habitantes, que crescia em um ritmo espantoso. Acertar o público-alvo também contribuiu para que o diário vespertino fosse bem-sucedido.

"Preciso poupar-me para a Folha da Manhã", disse Olival a um amigo sobre suas férias em Lindóia, no interior paulista, no começo de 1925.

Em 1º de julho daquele ano, nasceu o segundo jornal da pequena empresa. Na primeira página da edição de estreia da Folha da Manhã, nada chamava mais a atenção do que uma charge de Belmonte.

Àquela altura, o chargista já havia criado o Juca Pato, mas o principal desenho daquele dia não trazia o seu mais famoso personagem. Eram duas garotas na calçada: uma com um tambor, representando a Folha da Noite, e a outra com um trompete, a Folha da Manhã. O som produzido por elas irritava os cinco homens nas janelas, que simbolizavam instituições como a Câmara Municipal e o Senado.

O recado estava dado: a Folha da Manhã manteria o espírito crítico da Folha da Noite. Em outros aspectos, porém, o novo diário se diferenciava do antecessor.

"Como os jornais vespertinos em geral, a Folha da Noite usava uma linguagem mais coloquial e era mais focada no noticiário da cidade do que nas questões nacionais. Matutina, a Folha da Manhã era mais formal e tentava concorrer com o Estadão, que era, de longe, o primeiro jornal da cidade", afirma Oscar Pilagallo, autor de "História da Imprensa Paulista".

A Folha da Manhã cresceu e começou a ganhar algum prestígio entre profissionais liberais, comerciantes e outros setores da classe média. Cinco anos depois, no entanto, o trabalho de Olival e sua equipe ruiu.

Com posições contrárias a Getúlio Vargas em seus dois jornais, a empresa foi atacada pelos seguidores do líder gaúcho em outubro em meio à Revolução de 30. Os getulistas destruíram rotativas e móveis do prédio de três andares da rua do Carmo (hoje Roberto Simonsen), perto da praça da Sé.

O pouco que restou da depredação foi vendido para o fazendeiro e comerciante Octaviano Alves de Lima. Nos 15 anos seguintes, os dois jornais se voltaram, sobretudo, para o noticiário em torno da cafeicultura. "Fazendeiros!", dizia o anúncio. "Assinem os jornais que defendem a lavoura!"

Houve bons momentos nesse período, como a ida para a Folha da Manhã de jovens intelectuais, como o crítico literário Antonio Candido e o sociólogo Florestan Fernandes, ambos a convite do chefe de Redação, Hermínio Saccheta.

Por outro lado, segundo Pilagallo, os jornais perderam força nas questões nacionais, o que afetou a relevância editorial. "Muito concentrados nas questões agrárias, eles se distanciaram do debate político durante o Estado Novo [1937-1945]."

Sob um novo proprietário, a empresa ganhou fôlego –era mais uma reviravolta em uma trajetória de altos e baixos. Foi "dinamizada por uma nova concepção, mais moderna, urbana e empresarial, capitaneada por José Nabantino Ramos", escreveram os historiadores Carlos Guilherme Mota e Maria Helena Capelato em "História da Folha de S.Paulo".

O advogado Nabantino Ramos apostou na profissionalização dos repórteres e promoveu avaliações internas e prêmios por desempenho, entre outros novos procedimentos.

Assim como a Redação, o conteúdo dos jornais teve amplas mudanças. A Folha da Manhã passou a dedicar mais espaço para a economia. Como registra a jornalista Ana Estela de Sousa Pinto em "Folha Explica Folha", no final da década de 1950, uma edição atingia 76 páginas, o dobro do tamanho dos anos 1930.

No início de 1960, ainda na gestão de Nabantino Ramos, aconteceu a unificação da Folha da Noite, da Folha da Manhã e da Folha da Tarde, que havia sido criada em 1949, sob o nome de Folha de S.Paulo.

Com 35 anos, o jornal Folha da Manhã deixava de existir. O grupo daria início a um novo capítulo.

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