Raiva. Esse foi o tema escolhido para guiar a conversa de Tati Bernardi com o psicanalista Christian Dunker na mesa de encerramento da Casa Folha, na Flip, nesta quinta-feira (11).
Intitulada "Meu Inconsciente Coletivo", nome do podcast da Folha em que Bernardi conversa com psicanalistas, psicólogos e psiquiatras e abre ao público temas recorrentes em suas sessões de terapia, a mesa virou terapia em grupo e fez o público rir e chorar.
Com tom bem-humorado, Bernardi concordou com quem diz que a produção audiovisual é um desfile narcísico de sua existência, mas defendeu que é justamente essa autoexposição que gera identificação nas pessoas e a conecta com seus ouvintes.
"Tem uma coisa que eu acho muito difícil para a mulher que está no lugar de emancipação, que é a agressividade. Tem uma desautorização de gênero para a agressividade. Isso é difícil na clínica. Às vezes você vê mulheres emancipadas que não colocam um limite porque vão ser lidas como agressivas. A chave é quando você percebe que não está sozinha, que há uma implicação coletiva, de transformar o mundo que é como você", disse o psicanalista.
Bernardi disse ainda se identificar com o não-lugar ocupado pelo autor Édouard Louis, estrela da Festa Literária Internacional de Paraty, que veio de uma origem humilde e ascendeu a uma elite cultural à qual não pertence completamente. Louis expõe essas memórias no ensaio autobiográfico "Mudar: Método".
Ela contou ter crescido no Tatuapé, na região leste de São Paulo, e migrado para a zona oeste nos últimos anos. "Eu fui criada para ir embora e, quando saio desse lugar, chego num lugar onde as pessoas tinham viajado para a Europa várias vezes, enquanto eu só tinha ido para a Praia Grande."
Conforme convivia nesse novo meio, passou a perceber as diferenças entre si e os outros —desde o sotaque até os gostos e as referências mais diversos. "Então eu comecei a sentir um ódio daquelas pessoas", contou. As confissões fizeram a plateia rir.
De acordo com Dunker, o sentimento nasce quando o indivíduo se vê em um espaço intermediário, onde encontra costumes que acha bobos, falsos e não consegue assimilar por sentir raiva. "Mas não dá para voltar, e os que ficaram pensam que você os traiu", diz.
"Vingar tem uma conotação importante. Podemos usar no sentido de ‘esse filho vingou, sobreviveu, conseguiu crescer’. Se vingar é criar uma resposta que diga: eu, apesar de tudo, estou aqui."
Foi essa a deixa para que o público compartilhasse suas vivências e se emocionasse. Houve quem disse compartilhar essa sensação de não lugar, os que relataram ter ascendido, mas ter a insegurança de não ter estudado em faculdades de elite, entre outras situações.
"A gente tem uma brincadeira de alguns colégios que a gente chama de vale encantado. Eu tenho amigos do vale encantado e ocupo um não lugar que fico pensando: o que eu exalo pelos meus poros, que eu não pertenço?", perguntou uma pessoa na plateia, emocionada.
A conversa se estendeu e fez Dunker se atrasar para outra mesa da qual participaria em seguida.
Tudo a Ler
Receba no seu email uma seleção com lançamentos, clássicos e curiosidades literárias