O que se faz com as cascas do coco verde depois de você tomar a água? Entre as diversas possibilidades, Cleitiane da Costa Nogueira, 32, viu a chance de usar esse material para gerar combustível.
A engenheira química é uma das cientistas escolhidas para fazer parte da série Folha Descobertas, iniciativa da Folha em parceria com o Hospital Israelita Albert Einstein.
"É um resíduo que, se destinado de forma errada, pode proliferar doenças acumulando água, mosquitos da dengue", diz a pesquisadora, que foi premiada com o Prêmio Capes de Teses de 2022, na categoria engenharias dois.
Natural do município potiguar Caicó, Nogueira diz que a região Nordeste é a maior produtora da casca de coco verde do país. Portanto, o caminho até o coco acabou sendo natural, juntando-se ainda o contato que ela tinha tido com o material durante a iniciação científica na graduação.
"Eu queria dar valor para a casca, porque era da nossa região", afirma ela.
Porém, sair do coco e chegar ao combustível etanol é difícil.
Recebi esse prêmio [Capes] e tal, mas e agora? O que foi que aconteceu? Isso foi valorizado de alguma forma? Cadê o valor do que eu fiz?
A maior parte do etanol produzido no país vem da cana-de-açúcar. Para virar etanol, o caldo é retirado e separado da cana e passa por um processamento que o transformará em combustível. Esse é o etanol de primeira geração.
Resta o bagaço, que pode ter algumas destinações. Uma delas é a queima para produção de energia. Outra é o reaproveitamento para produção de mais etanol, um processo que exige mais processamento desse resíduo —e por esse motivo acaba custando mais.
A linha de estudo de Nogueira não tem nada a ver com a cana-de-açúcar, mas a ideia de reaproveitar resíduos é parecida. Seu objetivo era, em linhas gerais, melhorar o processo para obtenção do etanol a partir do coco.
Água para o coco
Para obter etanol a partir do coco, não bastaria espremê-lo da mesma forma que se faz com a cana. A ideia, nesse caso, é conseguir matéria-prima a partir da celulose. E, para isso, é preciso fazer tratamentos específicos para que essa celulose fique disponível.
"A casca do coco verde tem muita lignina, é muito resistente. Então, para ela, um pré-tratamento é muito importante, para que possamos desmembrar essa estrutura da parede vegetal, para disponibilizar a celulose", diz Nogueira.
A água —a normal, não a de coco— é um dos elementos utilizados em grande quantidade para a disponibilização da celulose.
Parte do mestrado da cientista foi destinada a tentar reduzir o máximo possível a água usada. Chegou a uma redução de 75% no uso desse elemento no pré-tratamento da casca do coco. Além disso, ela observou que o uso de tensoativos no processamento da casca poderia favorecer a acessibilidade da celulose, ou seja, melhorar o processo. Basicamente, essas substâncias facilitavam a remoção da lignina.
Tensoativos, em linhas gerais, são moléculas que agem sobre a tensão superficial entre dois fluidos. Eles ajudam, com isso, a promover uma mistura onde, de outra forma, não ocorreria (ou seria difícil ocorrer) —o exemplo mais comum de fluidos imiscíveis é o da água e óleo.
Esses facilitadores, porém, muitas vezes não são substâncias renováveis.
Apesar disso, ela destaca que o processo não necessariamente precisa ser assim, considerando a possibilidade de uso de tensoativos renováveis.
Economia nas diferentes etapas do etanol
No doutorado, Nogueira deu um passo a mais e expandiu o uso de tensoativos nos outros processos de obtenção de etanol de segunda geração. Foi por esse trabalho, inclusive, que a cientista ganhou o Prêmio Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior).
Segundo Nogueira, ela sempre via em literatura científica o uso dos tensoativos em etapas específicas da geração de etanol. Considerando que em cada etapa poderia haver benefícios pela presença da substância, uma questão surgiu na cabeça da cientista: e se ela usasse o tensoativo desde o início do processo, deixando-o na reação por todo o tempo, passando pelo tratamento, hidrólise e fermentação?
"Um dos grandes resultados no meu doutorado foi praticamente não precisar fazer o pré-tratamento da biomassa [do coco]", diz Nogueira.
"Eu encontrei uma condição muito boa em que eu podia passar do material não tratado para conseguir uma alta produção de etanol, cerca de 35 gramas por litro de etanol em 48 horas. Foi uma produção muito boa, que eu fiz em uma única etapa, reduzindo muito custo com energia e a entrada de água no processo", afirma a cientista.
No meio do caminho, porém, veio a pandemia, impedindo melhores análises de custo e a tentativa de uso de um tensoativo renovável. Essa situação acabou parcialmente contornada graças à premiação da Capes.
O dinheiro do prêmio possibilitou um pós-doutorado, no qual a cientista usou resíduos de sisal para produzir saponinas —também são tensoativos— que substituiriam os compostos tensoativos não renováveis.
Apesar de o resultado imediato não ter sido tão bom, segundo a pesquisadora, resultou na descoberta de uma lignina solúvel que se associa aos compostos tensoativos não renováveis, o que pode levar a uma possível diminuição do uso desse tipo de substância ou uma recuperação mais fácil dela para reutilização durante o processo.
"Então, a gente está no caminho", diz Nogueira.
Dar 'uma calma'
O "a gente" da frase anterior, porém, envolve uma questão um pouco mais complexa.
"O que me mantinha era a bolsa de doutorado, que estava bem defasada. Foi muito difícil para mim, porque eu precisava. Eu não queria voltar a depender dos meus pais caso eu precisasse, até porque eles não têm condições", diz Nogueira. "Então eu precisava ter uma segunda opção."
Foi então que a cientista, em meio ao doutorado, começou a cursar licenciatura em química, para poder prestar concursos em escolas públicas, onde costuma haver, segundo ela, mais chances.
Nogueira, no momento, é professora de química do ensino médio da Escola Estadual José Miguel Leão, em Campina Grande, na Paraíba. Começou a dar aulas ainda durante o pós-doutorado e, depois da correria de manter as duas atividades, resolveu dar uma pausa.
"Não sei se é uma pausa, mas é uma experiência, né?", diz a cientista, contando que tem buscado usar o que sabe para plantar novas sementinhas de ciência que, quem sabe, possam gerar novos cientistas. "Mas neste ano eu decidi dar uma calma, vamos dizer assim."
Apesar da "calma" para este ano, há alguma tensão no momento. Será que o caminho é sair do emprego estável e mergulhar de vez na pesquisa ou esperar um concurso para tentar entrar na universidade?
"Eu recebi esse prêmio e tal, mas e agora? O que foi que aconteceu? Isso foi valorizado de alguma forma? Cadê o valor do que eu fiz?", questiona a pesquisadora. "Essa decisão de saber se volto ou não é muito complicada porque a gente tem outras coisas além da profissão."
Se a questão fosse só a pesquisa, Nogueira não teria dúvidas: já estaria de volta.
"Não deixei a pesquisa ainda. Por mais que tenha dado essa pausa, converso muito com o meu grupo de pesquisa. A gente discute algumas ideias. Querendo ou não, eu ainda estou lá", afirma.
Indo por um caminho ou por outro, o que Nogueira quer é tentar fazer com que mais pessoas se interessem pela ciência e ser um exemplo, seja para seus alunos, seja para outras pessoas que querem fazer ciência no Brasil.
No presente, os olhos de Nogueira brilham no laboratório de ensino médio que ajudou a montar na escola em que dá aula.
"Eu estou buscando fortalecer a pesquisa já desde o ensino médio com os alunos, então para mim está sendo gratificante. Não quero deixar de fazer pesquisa, não quero. Estou buscando uma forma de conciliar isso."
Folha Descobertas
A série apresenta, quinzenalmente, os perfis de dez jovens pesquisadores brasileiros de diferentes áreas de atuação e regiões do país. Para chegar aos nomes deles, a seleção partiu de indicações de um comitê formado por figuras de destaque do cenário científico nacional.
A série Folha Descobertas é uma parceria com o Hospital Israelita Albert Einstein