A expedição à Antártida deveria ter acontecido em 2010 para Camila Bertoletti Carpenedo, 38, pesquisadora da UFPR (Universidade Federal do Paraná). Um desastre humanitário, porém, levou à suspensão da missão. Quase 15 anos depois, ela concretiza o sonho de estar lá.
Coordenadora do Nuvem (Núcleo de Estudos sobre Variabilidade e Mudanças Climáticas), da UFPR, a cientista sempre viu na Antártida, o continente inóspito dos superlativos, o seu destino. A curiosidade, característica básica de cientistas, estava com ela desde a infância, ao querer adentrar por estradas de terra batida do Rio Grande do Sul para, quem sabe, achar rios escondidos.
Navegando próximo ao oceano congelado, Carpenedo conta, no Diário da Antártida desta semana, como os seus balões atmosféricos podem ajudar na compreensão da crise climática.
Logo que a expedição saiu, ficamos sem internet. Depois, a partir do momento que liberaram o acesso a internet no navio, como o sinal pega bem na sala de conferências, ela está sempre cheia, assim como os corredores e escadas próximos. O comandante do navio precisou pedir às pessoas que não obstruíssem os corredores e escadas.
Tive uma outra oportunidade de ir à Antártida no verão de 2010. Mas, por causa de um terremoto no Haiti, enviaram os aviões da Força Aérea para ajuda humanitária. Cinco dias antes do meu embarque, a expedição foi cancelada. Atrasou em uns 15 anos a realização desse sonho. Foi bem decepcionante. Eu tinha esse sonho havia muito tempo.
Sou de Porto Alegre e fiz a minha graduação em geografia na UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul). Escolhi fazer geografia porque já tinha esse sonho de trabalhar com a Antártida e na UFRGS tem o Centro Polar e Climático.
Desde a graduação, eu trabalho com a relação da Antártida com o tempo e o clima da América do Sul. Na pós-graduação, mestrado e doutorado, fiz meteorologia na USP, ainda avaliando como sistemas atmosféricos, ciclones extratropicais e bloqueios atmosféricos estão associados com a variabilidade do gelo marinho antártico.
Quando comecei a ler mais sobre a Antártida, vi que era um continente totalmente inóspito. É o continente dos superlativos e isso me intrigava muito. E ele aparentemente está distante, mas na verdade está muito próximo da região Sul do Brasil e tem um impacto muito grande no nosso dia a dia, com as frentes frias e ciclones extratropicais —a maioria deles vem da Antártida.
Em 2010, eu viria junto com o grupo de meteorologia do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), então não ia desenvolver algo meu. Agora estou com um projeto que desenvolvi. A gente foi atrás de todos os equipamentos e materiais.
O projeto que eu estou desenvolvendo aqui faz parte de um projeto maior aprovado no Programa Antártico Brasileiro, o Polar Connections, em que buscamos entender como a variabilidade do gelo marinho ártico e antártico está relacionado com a monção da América do Sul, que é esse regime de precipitação, essa característica de um verão chuvoso e o inverno seco em grande parte da região tropical.
Por exemplo, a expansão na extensão do gelo marinho antártico, nos setores do mar de Ross e do oceano Índico, modula a incursão de ar frio polar sobre a Amazônia no inverno austral —são as frentes frias intensas.
E temos exemplos recentes de eventos climáticos extremos associados a frentes frias de origem polar, como a tragédia climática no Rio Grande do Sul em 2024 e o extremo chuvoso no litoral norte de São Paulo, em fevereiro de 2023. Queremos entender como essa relação se dá no contexto de retração do gelo marinho antártico, que ocorre desde 2016.
Aqui, especificamente, vamos avaliar a relação do gelo marinho com a passagem de ciclones extratropicais, que são sistemas atmosféricos frequentemente associados a eventos climáticos extremos. Como são sistemas de baixa pressão, estão associados a chuvas intensas, ventos intensos, granizo e eventos de ressaca do mar.
Para essa avaliação, lançamos radiossondas atmosféricas. Temos sensores de temperatura do ar, umidade relativa e pressão atmosférica. E aí conseguimos estimar outras variáveis, como direção e velocidade do vento e temperatura do ponto de orvalho. Esses sensores são acoplados a um balão meteorológico, com o qual obtemos um perfil vertical desses dados. O balão consegue atingir, mais ou menos, 30 quilômetros de altura, na estratosfera.
Nós vamos tentar entender como esse perfil vertical de dados pode ser diferente em diferentes coberturas de gelo marinho.
Para nos prepararmos para lançar as radiossondas, precisamos de cerca de 30 minutos. É o tempo de vestirmos roupas adequadas (roupas polares) para aguentar o frio do lado de fora do navio e de configurar o sistema de recepção dos dados.
É no heliponto que o balão é inflado com gás hélio, que é mais leve que o ar. A radiossonda é acoplada ao balão e, após o lançamento, ela transmite os dados meteorológicos à medida que ele ascende na atmosfera.
Durante a subida, o gás dentro do balão se expande —ele pode aumentar de 4 a 6 vezes em relação ao tamanho original—, devido à diminuição da pressão atmosférica, até que ele estoura. Nesse momento, a radiossonda começa a cair e depois se perde no mar. Mesmo em terra, a radiossonda não pode ser reaproveitada.
Dependemos da localização do navio em relação aos ciclones para fazer o lançamento das radiossondas. Como são sistemas associados a condições de tempo severo, o navio busca desviar dos ciclones para uma navegação mais segura. Então, teremos mais chances de pegar os ciclones nas paradas nas estações de pesquisa, como é o caso da primeira estação, a Novolazarevskaya, que está planejada para ocorrer neste domingo, dia 8 de dezembro. Teremos uma condição ideal para o lançamento de radiossonda, pois haverá a passagem de dois ciclones nesta estação.
Estou curtindo a viagem. Aproveitando que temos contato com pesquisadores de diversas áreas, então estamos aprendendo muito, não só sobre a minha área.
Sendo sincera, esperava o pior estando aqui, em relação à alimentação, ao quarto e ao banheiro. Mas está tudo muito tranquilo, então, de verdade, não estou tendo nenhuma dificuldade.
Temos acesso limitado à internet, né? Não é como aí no Brasil, então isso é algo a que estamos nos adaptando. Não acho que seja um problema.
Mas é o início da expedição. Faz um pouco mais de dez dias que estamos aqui. Talvez as dificuldades ainda não tenham aparecido. Talvez, com mais tempo, alguma coisa possa pesar.