A retificação de informações na delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid foram a base da decisão judicial que determinou a prisão preventiva do general Walter Braga Netto no último sábado (14).
Ajudante de ordens de Jair Bolsonaro (PL) na Presidência e personagem central das investigações sobre a trama golpista de 2022, Cid acumula recuos que já ameaçaram mais de uma vez os termos de seu acordo.
Mesmo sua defesa passou por mudanças e seu atual advogado é o terceiro a representá-lo.
Entre outros pontos, Cid entrou na mira das investigações relatadas pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), por ter participado da organização de live de 29 de julho de 2022, quando o Bolsonaro fez um duro ataque contra o sistema eleitoral, e em 4 de agosto, ao ajudar no vazamento do inquérito sigiloso sobre um ataque hacker ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
Cid era uma das pessoas mais próximas a Bolsonaro. Era visto carregando pastas com documentos do presidente e participava das tradicionais lives às quintas-feiras.
Acabou se transformou em conselheiro em decisões sobre diversos assuntos e, como as investigações têm mostrado, teve participação nos planos para barrar a posse de Lula (PT) após sua vitória na eleição.
O tenente-coronel foi chamado por Moraes para um novo depoimento após a revelação, em novembro, que militares tinham um plano para matar autoridades no fim de 2022. A Polícia Federal apontou indícios de que ele descumpria o acordo de delação, mas a colaboração acabou mantida.
Em depoimento à Polícia Federal em 5 de dezembro, Cid disse que Braga Netto buscou detalhes sobre a delação dele, o que foi interpretado como obstrução às investigações e embasou a decisão que prendeu o general.
A defesa de Cid foi procurada, mas não respondeu. A defesa do general da reserva negou, em nota divulgada na tarde deste sábado, que ele tenha obstruído as investigações.
Veja cronologia desde prisão de Cid:
Cid é preso (03.mai.23)
Mauro Cid é preso pela Polícia Federal em operação que trata da suspeita de fraude nos cartões de vacinação.
Pai na mira (11.ago.23)
PF cumpre mandados de busca e apreensão no caso das joias sauditas; um dos alvos é o pai de Mauro Cid, o general da reserva do Exército Mauro Lourena Cid. O envolvimento do pai do ex-ajudante de ordens é visto como um fator de pressão na decisão dele colaboração com a PF.
Delação descartada (16.ago.23)
Cezar Bitencourt, novo advogado contratado por Mauro Cid, assume a representação do ex-ajudante de ordens e descarta a possibilidade de uma delação premiada.
Contradições (18.ago.23)
Advogado de Mauro Cid dá informações divergentes para diferentes jornais e entra em contradição sobre a participação de Bolsonaro no caso das joias de Estado vendidas no exterior. Começa a sugerir que o militar feche acordo de delação com a Polícia Federal.
Encontro com Moraes (24.ago.23)
Advogado se encontra com o ministro Alexandre de Moraes; ele é o terceiro a ser contratado pelo tenente-coronel.
Delação confirmada (09.set.23)
Moraes homologa a delação de Mauro Cid com a PF. O tenente-coronel é solto e autorizado a responder às investigações em casa.
O acordo refere-se ao inquérito das milícias digitais, que mira os ataques às instituições, a tentativa de golpe e o caso das joias, entre outros pontos.
Primeira versão (11.mar.24)
Em delação à PF, Mauro Cid dá sua primeira versão sobre a reunião de militares na casa de Braga Netto, em 12 de novembro de 2022. Ele diz que o encontro era apenas recreativo —militares das Forças Especiais queria tirar fotos com o general e acabaram conversando sobre a conjuntura política e social do país.
Indiciamento (19.mar.24)
PF indicia Mauro Cid e mais 14 pessoas pela suspeita de falsificação de certificados de vacina de Covid-19.
Críticas (21.mar.24)
A revista Veja divulga áudio em que Cid faz críticas à PF e ao ministro do STF na condução do acordo de delação premiada.
Ele disse ter sido pressionado nos depoimentos. Na PF, cogita-se a anulação da delação.
Nova prisão (22.mar.24)
Mauro Cid é preso novamente por ordem do ministro Alexandre de Moraes. A determinação incluiu também o cumprimento de busca e apreensão na casa dele. Ouvido, recuou e manteve o que havia dito nos depoimentos da colaboração premiada.
Plano e prisões (19.nov.24)
PF prende quatro militares e um policial federal sob a suspeita de participar de um plano para matar o presidente Lula, o vice Geraldo Alckmin (PSB) e o próprio Moraes. Entre os presos, está o tenente-coronel Rafael Martins Oliveira.
Mensagens trocadas entre ele e o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, reveladas pela investigação, mostram um pedido de repasse de R$ 100 mil para Oliveira, para organizar caravanas bolsonaristas para o acampamento montado em frente ao Quartel-General do Exército, em Brasília.
Relatório encaminhado pela Polícia Federal ao STF aponta omissões e contradições dos depoimentos de Mauro Cid, que teria apagado arquivos e mensagens importantes para a investigação. PF pede a Alexandre de Moraes que reavalie validade da delação do militar.
Novo depoimento (21.nov.24)
Cid depõe diretamente a Moraes depois de a PF ver indícios de que ele descumpria o acordo de delação. O militar faz retificações em sua delação e apresenta novas informações, especialmente sobre Braga Netto. A colaboração foi mantida.
Após esse depoimento, Moraes indica em decisão que Braga Netto obteve e distribuiu os recursos necessários aos planos de matar autoridades e sequestrar o ministro do STF.
Neste depoimento, Cid apresentou uma nova versão sobre o encontro de 12 de novembro de 2022 na casa de Braga Netto. Já não se tratava de cumprimentar e tirar fotos com Braga Netto, mas falar da "indignação com a situação do país e a necessidade de ações concretas", segundo os documentos.
Também nesse depoimento, Cid contou que dias depois do encontro após as eleições, Braga Netto teria entregue dinheiro em uma sacola de vinho para viabilizar os planos golpistas.
Agora à PF (05.dez.24)
Mauro Cid prestou um novo depoimento à PF sobre a trama golpista no fim de 2022. Ele foi questionado sobre o teor de mensagens de militares que participaram do plano Punhal Verde e Amarelo, que pretendia assassinar o presidente Lula (PT), seu vice, Geraldo Alckmin (PSB), e o ministro do STF Alexandre de Moraes.
Neste depoimento, Cid diz que Braga Netto tentou obter informações sigilosas de sua delação premiada em contatos com seu pai, o general Mauro Lourena Cid. A Polícia Federal vê nesse caso uma tentativa de obstruir as investigações.
Braga Netto preso (14.dez.24)
O general Walter Braga Netto é preso.
A decisão pela prisão considera depoimentos de Mauro Cid e documentos obtidos no decorrer da investigação. Segundo ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Braga Netto passou a abordar Lourena Cid para conseguir detalhes da delação premiada do militar.