Em um movimento surpreendente, a China abriu espaço para parceiros internacionais participarem de sua pioneira missão de retorno de amostras de Marte. Programado para partir em 2028, o projeto pode ser crucial para descobrir que o planeta vermelho teve ou não vida em seu passado.
Um anúncio de oportunidade foi publicado em 11 de março no site da CNSA, agência espacial chinesa, e dá a chance de parceiros internacionais contribuírem com sistemas ou cargas úteis na missão Tianwen-3. "Essa oportunidade está aberta à comunidade global. Parceiros internacionais são bem-vindos para colaborar", diz o documento, em inglês.
Trata-se de um evidente esforço para exercer o "soft power" que um programa espacial de ponta oferece, projetando sombra sobre a Nasa e os EUA, usualmente os principais promotores desse tipo de parceria, mas no momento particularmente avessos à cooperação internacional.
Na trilha para ir ao espaço entre o fim de 2028 e o começo de 2029 (quando se abre uma nova janela para voo a Marte, o que se repete a cada 26 meses), a Tianwen-3 será composta por dois lançamentos, impulsionados por foguetes Longa Marcha 5. Em um deles, iria um módulo de pouso com um veículo de ascensão (um pequeno foguete) acoplado. No outro, um orbitador com dois módulos, um para o estudo de Marte, e outro para o retorno à Terra. As amostras poderiam estar de volta para estudos em 2030 ou 2031.
Isso é bem antes do que a Nasa, em projeto de parceria com a ESA (agência espacial europeia), espera trazer de volta as amostras atualmente sendo recolhidas pelo rover Perseverance em Marte. Com custos estourados, alta complexidade e uma previsão de conclusão para 2038, a agência americana recentemente promoveu uma revisão do projeto, para tentar barateá-lo e acelerá-lo. É difícil, contudo, que consiga se antecipar a ponto de realizar a missão antes dos chineses.
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Aos potenciais parceiros internacionais, a China está reservando 15 kg de massa para cargas úteis no orbitador de retorno à Terra e outros 5 kg no orbitador marciano. O prazo para manifestar interesse vai até 30 de junho e as propostas precisam se alinhar, evidentemente, aos objetivos da missão, que ambiciona revelar se Marte tem ou ao menos já teve vida —duas questões que seguem em aberto e que dificilmente terão respostas conclusivas sem o estudo detalhado de rochas marcianas que só laboratórios na Terra podem proporcionar.
A missão Tianwen-3 é só o começo de um ambicioso programa de exploração espacial voltado para a astrobiologia desenvolvido pela agência chinesa. Em 2028, os chineses planejam lançar um telescópio espacial caçador de exoplanetas, com o objetivo de detectar uma possível segunda Terra fora do Sistema Solar.
No ano seguinte, deve partir a sonda Tianwen-4, que fará a exploração de Júpiter e eventualmente orbitará sua lua Calisto. Em 2033, os chineses pretendem lançar uma missão a Vênus como o objetivo de colher amostras da atmosfera e trazê-las de volta à Terra —algo que ninguém até hoje fez. E, ao redor de 2038, a China espera ter uma estação de pesquisa robótica em Marte, composta por múltiplas missões. Ao final da da próxima década, a CNSA ainda espera lançar uma missão orbitadora movida a energia nuclear até Netuno, planeta que até hoje só foi visitado uma vez, e de passagem, pela sonda americana Voyager 2, em 1989.
Se tem uma coisa com que se pode contar no programa espacial chinês é com a efetividade do planejamento de longo prazo. Então, mesmo que ainda existam desafios tecnológicos a superar para que essas missões todas se concretizem, é uma aposta razoável que a maioria delas acontecerá, e no prazo determinado. A concorrência que lute.
Esta coluna é publicada às segundas-feiras na versão impressa, em Ciência.
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