Chegou a hora: por que os juros devem cair nos EUA e subir no Brasil?

há 3 meses 18

A hora chegou, como disse o presidente do Federal Reserve, Jerome Powell, durante o simpósio econômico de Jackson Hole, há menos de um mês. A esperada “Super Quarta” de setembro deve ser marcada por movimentos distintos dos comitês de política monetária: o Fomc deve iniciar um ajuste de taxas para baixo nos EUA e o nosso Copom provavelmente fará um movimento inverso, elevando a Selic. Quais os motivos para isso? 

Economistas dizem que esses momentos estão relacionados ao balanço entre a confiança lá fora de que o processo de desinflação continua – embora tenha perdido velocidade – e a incerteza no Brasil de que um repique de preços está à espreita, por conta de inconsistências políticas e econômicas.

Há também diferentes leituras sobre como a atividade econômica aquecida pode interferir na política monetária. Nos EUA, existe uma esperança de que tenha ficado para trás o pior momento de repasse para os preços do potente mercado de trabalho. Também é preciso evitar que um pouso muito forçado da economia desemboque em recessão lá na frente, interferindo na meta de emprego do Fed.

LISTA GRATUITA

Ações Fora do Radar

Garanta seu acesso gratuito a lista mensal de ações que entregou retornos 5x superior ao Ibovespa

No Brasil, o desemprego baixo, a renda em alta e uma política fiscal ainda frouxa mantêm as expectativas de inflação teimosamente muito acima da meta perseguida pelo BC. E o momento é de reforçar a credibilidade da autoridade monetária, ainda em recuperação depois do baque sofrido em maio, quando uma decisão dividida entre os membros do Copom colocou uma sombra sobre a nova gestão, que assumirá em 2025.

Fomc

E o que esperar da decisões de hoje? Nos Estados Unidos, não se acredita em outro anúncio que não seja o início de um ciclo de cortes. A dose, no entanto, ainda é alvo de discussões. Até a semana passada, aa ferramenta FedWatch, do CME Group, as maiores probabilidade eram de um começo gradual, com uma redução 25 pontos-base dominando 66% das apostas. Ontem, o placar já havia virado, com 66% de chances de um corte de 0,50 p.p.

Não parece ser uma decisão fácil. Para Gustavo Sung, economista chefe da Suno Research, o Fed deve começar mais devagar, promovendo três cortes seguidos de 0,25 p.p, levando os juros ao final do ano para um intervalo entre 4,50% e 4,75% anuais.

Continua depois da publicidade

Ainda que ele comente que o Fomc parece estar mais preocupado com a evolução do mercado de trabalho do que com a inflação, o que abriria a possibilidade de um corte maior, Sung  acredita que a autoridade monetária manterá uma postura cautelosa neste início de ciclo.

“Os dados recentes de atividade econômica indicam que a indústria enfrenta dificuldades para ganhar impulso, com a confiança dos empresários em um nível contracionista. Os setores de serviços e varejo ainda mostram crescimento, o que contribui para um pouso suave (‘soft landing’) da economia”, afirma.

A análise do Bank of America vai na mesma linha, de que o Fed vai se manter em seu “otimismo cauteloso” e altamente dependente de dados. “Esperamos que o Fed corte as taxas em 25 pbs em sua reunião de setembro. A mensagem geral provavelmente será cautelosamente otimista. O cenário base ainda é um pouso suave, mas o Fed está vigilante quanto aos riscos de queda em seu mandato de emprego”, comenta o bando de investimentos.

Continua depois da publicidade

Para o BofA, o mais importante e que os cortes nas taxas não estão em um caminho predefinido. Ou seja, o Fed tomará suas decisões reunião por reunião, com base nos dados recebidos. É por isso que cortes superdimensionados estarão na mesa em reuniões futuras.

O Banco comenta ainda que, tanto quanto as falas do presidente Jerome Powell após a decisão, será importante observar os novos dados do gráfico de pontos, as projeções sobre vários indicadores que o diretores do BC americano renovam a cada três meses. Talvez dali surgem pistas sobre o tamanho do ciclo de afrouxamento pretendido.

Sobre o impacto dessa decisão, Ricardo Martins, economista chefe da Planner Investimentos e presidente executivo da Apimec Brasil, acredita que o corte de 0,25% desagradará aos mercados, impondo realizações de lucros nas bolsas, mercados que performaram bem ao longo do ano.

Continua depois da publicidade

“Para o mercado, o Fed já poderia ser mais agressivo cortando 0,5% diante de um mercado de trabalho em desaceleração, mas não em retração, já que não se observam demissões predominantes nessa desaceleração, assim como aumentos substanciais de pedidos de auxílio-desemprego.”

Copom

Se, nos EUA, um início de ciclo de cortes parece inevitável, a realidade brasileira está no sentido oposto. O Índice Equus de Precificação da Selic (IEPS), calculado pela Equus Capital utilizando Inteligência Artificial  estima uma probabilidade de 76,2% que o BC opte por um aumento de 0,25% na taxa básica de juros. No dia anterior à última reunião do Copom, em julho, essa chance era de meros 17,5%.

O que mudou desde então? A XP destaca que as perspectivas de inflação são preocupantes. Não pelo dado corrente do IPCA em si, uma vez que o último de agosto mostrou deflação de 0,2%. O problema é que a inflação dos serviços básicos se mantém em níveis elevados (em torno de 5% em termos anualizados), enquanto a inflação dos bens industriais, que estava próxima da estabilidade, voltou a acelerar, para cerca de 3%.

Continua depois da publicidade

“Assim, embora aproximadamente em linha com as projeções, a inflação ao consumidor continua claramente acima da meta, sem sinais de arrefecimento”, comenta a área de Macro Research em relatório..

Enquanto os preços internacionais das commodities estão caindo, especialmente o petróleo bruto, a taxa de câmbio continua sob pressão e os indicadores de atividade vieram mais fortes do que o esperado.

Com esse quadro, a XP acreditamos que o Copom aumentará por unanimidade a taxa Selic em 25 pontos-base nesta semana, de 10,50% para 10,75%, e que deve aplicar outras duas doses de 0,50 p.p em novembro e dezembro e uma adicional de 0,25% em janeiro, levando a taxa anual para 12%. Isso seria suficiente para trazer as expectativa de inflação de volta à tendência anterior ao estresse do mercado.

Continua depois da publicidade

“Em relação à comunicação do Copom, a mensagem mais eficaz seria “fazer o que for preciso”. Em nossa opinião, fornecer orientação sobre o ritmo de aumentos futuros ou sobre a magnitude geral do ciclo de aperto seria arriscado. A palavra ‘gradual1 provavelmente aparecerá na declaração pós-decisão, com base em sinalizações recentes dos membros do Copom”, diz a XP.

O Goldman Sachs, por sua vez, concorda com o diagnóstico, mas diverge apenas do tamanho da dose de juros, esperando uma taxa de, no máximo, 11,75% em janeiro. Mas tudo vai depender da divulgação de dados à frente.

“O risco para nossa previsão básica da Selic é equilibrado. Se o real e as expectativas não melhorarem, não descartaríamos um ciclo de aumento mais profundo de 150-175 pontos-base”, diz relatório do banco. Por outro lado, é lembrando que um real mais forte e um equilíbrio melhorado de riscos para a inflação podem levar a um ciclo de aumento mais brando, de 100 pb.

Para o Goldman, a dinâmica macro, fiscal e financeira doméstica brasileira é tal que o Copom corre o risco de perder credibilidade se não reagir à clara deterioração do balanço de riscos para a inflação e apenas esperar pelo melhor. “Ou seja, se o Fed não estivesse cortando, provavelmente faríamos um ciclo de alta mais agressivo”, pondera.

O Itaú, por sua vez, também calcula em 12% a Selic em janeiro, com os cortes começando hoje em 0,25 p.p. “A autoridade monetária provavelmente renovará no comunicado sua promessa de vigilância e firme compromisso de convergir a inflação para a meta. A maioria dos membros deve enfatizar a assimetria ascendente do balanço de riscos, em meio a projeções e riscos mais altos para a trajetória da inflação”, afirma o banco.

Mas a expectativa de alta de juros não é unanimidade. Para o C6 Bank, o início de cortes de juros pelo Fed, nos Estados Unidos, é um evento traz mudanças no cenário global que devem influenciar a condução da política monetária em vários países, inclusive no Brasil.

“Na nossa, visão, o dólar global deve continuar enfraquecendo e aliviar as pressões sobre o real. Mantemos a projeção de manutenção da Selic em 10,5% até o final de 2024”, diz o banco digital em sua análise, embora reconheça a possibilidade de o BC dar início a um breve ciclo de alta de juros nesta reunião, após sinalizações recentes de diretores.

Leia o artigo completo