Sabe aquele momento em filmes de maremotos quando o mar recua de repente e com força? A praia fica estranhamente silenciosa, e o chão de areia molhada aparece onde antes havia água? Muita gente olha aquilo e pensa: "Ah, deve ser só uma maré baixa mais forte". Mas é a primeira evidência de um maremoto. Negar o sinal não muda o que vem depois. E é exatamente onde o mercado esteve até bem pouco tempo atrás.
A maré já voltou com força. Os preços caíram abruptamente, os indicadores gritaram, e o discurso suave de que tudo está sob controle foi arrastado pela corrente. A essa altura, já não estamos mais na fase da negação. Já entendemos que a política econômica do presidente americano pode desencadear algo maior: uma desaceleração global mais intensa. E agora, o investidor se revolta. Quer culpados. Entra na fase da raiva.
O modelo mais conhecido para entender o comportamento humano diante de crises — e que cabe surpreendentemente bem no mercado — foi criado pela psiquiatra Elisabeth Kübler-Ross. Ela definiu cinco estágios emocionais do luto: negação, raiva, negociação, depressão e aceitação. Embora pensadas para pacientes terminais, essas fases são vistas em empresas diante de colapsos, em países em crise, e claro, em investidores enfrentando a perda de valor de seus ativos.
Na negação, o investidor diz que a queda é só um ajuste técnico, uma correção saudável. Quando isso já não se sustenta, vem a raiva: "Como deixaram isso acontecer?", "Por que ninguém me avisou?". É nessa fase que surgem decisões impulsivas, mudanças drásticas de carteira e uma busca desesperada por explicações. Estamos exatamente aí.
A mudança de expectativa foi brusca. Até recentemente, se esperava um ciclo de desregulamentação e cortes de impostos nos Estados Unidos. Isso alimentava a perspectiva de juros menores, dólar forte e empresas em expansão. Mas o cenário virou. A política tarifária mais agressiva trouxe incerteza. A inflação segue resistente, os estímulos não cessam e o Federal Reserve não tem dado sinais de alívio. A consequência? Menor crescimento global à frente — e com ele, o risco de um ciclo parecido com o que vivemos nos anos 90: inflação mais alta combinada a crescimento mais baixo.
Esse tipo de ambiente exige postura defensiva. O Brasil, como sempre, é altamente sensível a esse tipo de movimento. Dependemos de capital externo para fechar nossas contas. Em momentos de estresse, o fluxo seca. O real se desvaloriza, a inflação acelera, o crédito encurta e o consumo recua. Isso alimenta a piora dos resultados corporativos e acentua o desempenho pior na Bolsa.
Diante disso, flexibilidade é o ativo mais valioso. Reduzir o risco, manter liquidez e ajustar as posições são movimentos prudentes. Neste momento, a renda fixa pós-fixada, atrelada ao CDI, deve ganhar espaço. Ela permite acompanhar os juros elevados sem abrir mão de liquidez. Já os títulos atrelados à inflação funcionam como proteção. Servem como um seguro contra uma inflação fora do previsto. Mas, como todo seguro, têm um custo: no curto prazo, pagam menos do que os pós-fixados.
É importante entender isso com clareza. Muitos se frustram por verem esses papéis renderem menos, mas esquecem que seu papel não é maximizar retorno — é proteger. E proteger é essencial num ambiente onde o próximo estágio pode ser a negociação — aquela fase em que se tenta achar saídas rápidas — ou a depressão, marcada pelo desânimo, paralisia e vendas mal pensadas.
Ainda existe incerteza. E incerteza, por definição, não é certeza de crise. Se vivermos uma, essa não será a primeira nem será a última. Crises surgem com frequência desconfortável, a cada cinco ou dez anos. Elas vêm, causam estragos, e depois passam. O mais importante agora não é tentar antecipar o fundo do poço, mas garantir que sua carteira esteja compatível com o seu perfil de risco.
Isso significa aceitar que podemos atravessar um período difícil. Mas também significa lembrar que, historicamente, a recuperação sempre veio. Crises costumam gerar oportunidades para quem está consciente, líquido e atento. E mesmo que este momento de incerteza seja passageiro — como já aconteceu em outras vezes — tomar decisões impulsivas pode custar mais caro do que a própria crise.
No fim, investir é menos sobre prever o que vem e mais sobre estar preparado para qualquer caminho que o mar escolher. Porque ele sempre volta. A diferença está em quem sabe nadar — e quem só entrou porque achou que a água estava morna.