Centenário, Juca Pato representou insatisfação dos paulistanos

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Em 1920, São Paulo tinha 580 mil habitantes, de acordo com o censo daquele ano. Em apenas duas décadas, a população da capital paulista mais do que dobrou, alcançando 1,3 milhão.

Até meados dos anos 1920, não havia nessa cidade em transformação um personagem das charges ou dos quadrinhos da imprensa que comentasse com regularidade as questões urbanas cada vez mais urgentes. As figuras que apareciam nos jornais transitavam da cidade para o campo, sem enfrentar com afinco os problemas trazidos por esse crescimento desenfreado.

Até que nasceu Juca Pato. O personagem criado pelo chargista e cartunista negro e paulistano Belmonte apareceu pela primeira vez em 30 de abril de 1925 na Folha da Noite, um jornal que buscava se consolidar entre operários, pequenos comerciantes e alguns outros setores da classe média.

Eram os primórdios da história da Folha. Primeiro, surgiu a Folha da Noite, fundada em 19 de fevereiro de 1921, o marco inicial do jornal conhecido hoje. Depois a Folha da Manhã, em julho de 1925, pouco mais de dois meses depois do nascimento de Juca Pato. Por fim, a Folha da Tarde, de julho de 1949. Unidos, os três títulos deram origem à Folha de S.Paulo em 1960.

Uma personificação do homem comum, Juca Pato logo se tornou um fenômeno de popularidade. Nos bailes do Carnaval paulistano de 1926, ano seguinte à criação do personagem, era comum encontrar adultos e crianças com fantasias do Juca Pato, como conta o jornalista Gonçalo Junior no livro "Belmonte - Vida e Obra de um dos Maiores Cartunistas Brasileiros de Todos os Tempos".

Mais tarde, Juca Pato deu nome a marcas de caderno, café, cigarro, água sanitária e graxa de sapato, além de um bar na avenida São João. Em 1962, a União Brasileira de Escritores (UBE) lançou o prêmio de "intelectual do ano" com o nome do personagem, um troféu concedido até os dias de hoje.

"Juca Pato extrapolou os limites da charge e se tornou um símbolo, um garoto propaganda, uma celebridade reproduzida em todas as formas de comunicação de sua época", diz o chargista e cartunista Luiz Gê.

Aquele homem careca, magro, com fraque e óculos redondos, que agora completa cem anos, caiu no gosto dos paulistanos graças aos traços detalhistas e elegantes, que lhe davam carisma.

Mas os temas dos desenhos são essenciais para compreender seu sucesso: reclamava, entre coisas, dos buracos nos calçamentos da cidade e da burocracia nas repartições públicas –este último foi o assunto de sua estreia na Folha da Noite.

"Juca Pato foi o primeiro personagem essencialmente urbano da imprensa paulista, o que explica, em grande parte, a cumplicidade imediata conquistada por ele com os leitores", afirma a historiadora Andrea Nogueira, que dedicou seu mestrado à criação mais popular de Belmonte.

Segundo ela, uma das inspirações do chargista foi Carlitos, lançado por Charlie Chaplin em 1914.

Belmonte usava transporte público e conhecia muito bem São Paulo, cidade onde nasceu em 1896. Essa vivência, aliada a um senso crítico agudo, levou o chargista à ironia dos desenhos de Juca Pato, o "fiscal do povo", nas palavras de Gonçalo Junior.

"Qual era o grande problema da cidade de São Paulo na década de 20? Falta de água. Juca Pato falava disso e também dos acidentes de bondes, da inflação, entre outros assuntos. Por isso, todos se identificavam com ele", afirma o jornalista.

Com o passar do tempo, embora nunca tenha deixado de lado as questões urbanas, o personagem também ironizou o poder no Brasil e no exterior.

Entre os políticos do país, nenhum foi tão satirizado quanto Getúlio Vargas. Durante a Segunda Guerra Mundial, Juca Pato ganhou ares internacionais e se revelou especialmente crítico com Hitler.

Para Gonçalo Junior, Belmonte e Henfil são os dois maiores chargistas brasileiros do século 20. Havia outros pontos em comum entre eles além do talento. "Botavam os governantes na parede, não eram de meias-palavras", afirma.

Além disso, ambos tinham saúde frágil. O primeiro morreu em 1947, aos 50 anos, em decorrência de uma tuberculose. O segundo em 1988, com apenas 44 anos. Era hemofílico e contraiu o vírus HIV durante uma transfusão de sangue.

Andrea Nogueira indica um outro aspecto que os aproxima. "Henfil dizia que, a partir de um determinado momento, o Fradinho [seu personagem mais conhecido] passou a contracenar com o público. Juca Pato havia feito isso muito tempo antes. Conseguiu criar um pacto de humor com os seus leitores."

Raio-X | Benedito Barros Barreto, o Belmonte

Nascido no bairro do Brás, em São Paulo, em 1896, destacou-se como chargista e cartunista em publicações como O Pirralho e Kosmos. Começou a trabalhar na Folha da Noite em setembro de 1921, sete meses após a criação do jornal. Em 1925, criou Juca Pato, seu personagem mais famoso e, neste mesmo ano, passou a desenhar também para a Folha da Manhã, novo jornal do grupo. Publicou mais de 10 mil trabalhos, entre charges, cartuns, ilustrações e crônicas. Morreu aos 50 anos, em 1947.

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