Quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) venceu as eleições de 2022, analistas do mercado financeiro começaram a elencar quais ações da Bolsa teriam grande chance de surfar a onda de um governo que, a exemplo das experiências passadas, é afeito aos benefícios sociais e contrário às privatizações.
Com base em relatórios de bancos e casas de análise, a Folha elencou algumas das ações mais citadas pelos analistas na época e encomendou um levantamento à Elos Ayta Consultoria para conferir o desempenho dos papéis ao longo dos dois primeiros anos do terceiro mandato de Lula.
A reportagem simulou uma carteira de investimentos, apelidada de "carteira Lula", composta sobretudo por ações do setor da construção civil, varejista, educacional e algumas alternativas às estatais, já que o receio de intervenções do governo afasta os investidores desses papéis. No caso das petrolíferas, a Prio foi uma alternativa muito mencionada no lugar da Petrobras.
No setor de bancos, o Bradesco foi uma possibilidade levantada por analistas da Genial Investimentos, principalmente pelo perfil da carteira de crédito, focada mais em pessoa física e mais exposta à baixa renda do que outros bancões.
Segundo o levantamento, no primeiro ano do governo, essa carteira simulada disparou 45,19%, acima da alta do principal índice da Bolsa, o Ibovespa, que em uma subida intensificada no fim do ano saltou 22,28% em 2023.
Neste ano até o dia 18 de dezembro, porém, esses papéis reverteram parte dos ganhos e recuaram 22,27%, em um desempenho ainda pior do que o do Ibovespa, que recuou 10% no período. Mas, na soma dos dois anos, o saldo ainda segue positivo, com uma alta de 13,33% no conjunto de ações, enquanto o Ibovespa sobe 10,06%.
Um segmento que expõem bem esse quadro retratado na carteira simulada é o da construção civil mais voltado ao Minha Casa, Minha Vida.
Após o presidente Lula turbinar o programa habitacional, em meados do ano passado, o salto no preço das ações de companhias como Cury, MRV, Plano&Plano, Direcional e Tenda impulsionou o Índice Imobiliário da B3, o Imob, que foi o que mais subiu na Bolsa em 2023, com uma alta de 53,27%. Neste ano, contudo, o índice recua 24,28%. O saldo ainda é positivo, com valorização de 16,05%.
Folha Mercado
Receba no seu email o que de mais importante acontece na economia; aberta para não assinantes.
O Índice de Consumo da B3, o Icon, também trilhou um caminho parecido. No ano passado, teve uma alta mais tímida, de 6,98%. Em 2024, porém, o índice recua 21,90%. No total dos dois anos de governo, a queda é de 16,45%.
Na carteira montada pela reportagem, estão três ações do setor varejista muito citadas por analistas, que apostavam que os programas de transferência de renda do governo impulsionariam os papéis: Magazine Luiza, Casas Bahia e Assaí.
Mas, afundadas em um alto endividamento com a subida dos juros bem em um momento de expansão dessas empresas, elas não conseguiram ter um desempenho positivo nem no ano passado.
Outro grupo de ações que compõem a carteira é de empresas educacionais. Ânima, Cogna, Cruzeiro do Sul, Ser Educacional e Yduqs foram embaladas em 2023 com as perspectivas de impulsionamento de seus resultados com programas sociais voltados ao ensino superior, como o Fies e o ProUni.
Mas, assim como aconteceu com os outros setores, o pessimismo do mercado neste ano com o governo pressionou essas ações e muitas delas devolveram em 2024 todos os ganhos conquistados no ano passado.
"As ações que compõem essa carteira têm como principal componente o fato de serem voltadas ao mercado doméstico. Ou seja, elas são muito afetadas por aspectos macroeconômicos, e, num cenário de piora da inflação, deterioração dos indicadores e das perspectivas e alta dos juros, como estamos vendo, elas acabam prejudicadas", diz Matheus Amaral, especialista em renda variável do banco Inter.
O analista observa que muitas dessas empresas vinham de um ano de recuperação nos seus balanços e em seu desempenho na Bolsa, com a queda dos juros no ano passado.
Mas a forte desconfiança dos investidores em relação ao resultado fiscal e à dívida pública a partir do meio do ano, que trouxe como consequência o endurecimento da política fiscal, causou um revés. "A percepção de risco voltou, e isso pune essas companhias", afirma.
Segundo Amaral, enquanto no início do ano o cenário externo era o que mais impactava o desempenho do mercado financeiro brasileiro, agora a Bolsa está praticamente dependente dos desdobramentos políticos e econômicos no ambiente interno. Ele diz que, no ano que vem, a recuperação da Bolsa vai depender do compromisso fiscal do governo.
"Até o meio deste ano, o mercado doméstico estava quase todo sendo direcionado pelas decisões do Federal Reserve (banco central americano). Mas, quando os Estados Unidos começaram a cortar juros, o investidor estrangeiro passou a olhar com mais atenção para o Brasil e o cenário fiscal brasileiro entrou no radar", diz.
Com isso, o país acabou não conseguindo surfar a onda dos cortes das taxas de juros americanas, porque os riscos fiscais ocuparam o centro das preocupações dos investidores.
RENDA FIXA
Os papéis de renda fixa tiveram uma trajetória parecida do mercado acionário nestes dois anos de governo. No ano passado e em grande parte deste ano, as gestoras estavam investindo pesado em fundos de infraestrutura e o mercado imobiliário estava fazendo várias emissões de títulos de dívida no mercado.
Mas Luis Miraglia, sócio da Seneca Capital, diz que os gestores estão começando a migrar as aplicações desses fundos, que estão atrelados à inflação, para aqueles indexados ao CDI (Certificado de Depósito Interbancário), que acompanham o movimento da taxa básica de juros, a Selic.
"O mercado de crédito privado ganhou pujança nos últimos anos e os títulos estão se alongando cada vez mais. Porém, uma parte desse mercado remunera com a inflação. Se ela sobe, os investidores que tomaram esses títulos hoje sofrem perdas. Os fundos de mais longo prazo, como de infraestrutura e construção civil, já estão tendo perdas agora em dezembro", diz.
Miraglia diz que, com a forte subida dos juros, os investidores tendem a ficar estacionados na renda fixa e fugir cada vez mais da Bolsa no próximo ano. E dentro da renda fixa o que tem acontecido, segundo ele, é essa mudança dos fundos que remuneram com uma taxa fixa mais o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) para aqueles que pagam uma taxa mais o CDI.
Pelo lado das empresas, ele observa que, enquanto alguns títulos do Tesouro Direto passaram de uma taxa de 6,5% para 8,5% em um mês, as dívidas das empresas já estão sendo emitidas com uma remuneração de 10%. Essa situação deve levar as empresas a emitir menos títulos e, com isso, o mercado de crédito privado deve diminuir consideravelmente no próximo ano, segundo Miraglia.