Brasil prevê ganhos com guerra comercial China-EUA, mas risco para inflação preocupa

há 17 horas 2

O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) prevê possíveis ganhos para as exportações do agronegócio brasileiro com o novo capítulo da guerra comercial entre China e Estados Unidos —nesta terça-feira (4), Pequim impôs tarifas retaliatórias a produtos agrícolas e alimentos americanos, inclusive milho, soja e proteínas animais.

De acordo com membros do governo ouvidos pela Folha, que falaram sob condição de anonimato, o Brasil é o substituto natural para muitos dos produtos dos EUA agora sobretaxados pela China.

A expectativa é de um cenário parecido ao primeiro mandato de Donald Trump (2017-2020), quando o país se beneficiou, principalmente em um primeiro momento, de retaliações tarifárias contra os EUA aplicadas por China e outros sócios comerciais dos americanos.

Os ganhos do Brasil na época não foram maiores por causa de uma trégua assinada por EUA e China em 2020. Um dos pontos daquele entendimento era o aumento das compras chinesas de produtos agrícolas americanos. Apesar disso, a avaliação no governo é que o Brasil se consolidou como fornecedor prioritário dos chineses e confiável para casos de disrupções causadas por fatores geopolíticos.

A perda de espaço dos americanos para o Brasil foi reconhecida em um relatório de 2022 do Departamento de Agricultura dos EUA. O estudo destacou que, em 2018, os chineses deixaram de comprar cerca de US$ 8 bilhões em itens agrícolas dos americanos, ao passo que as vendas brasileiras desses produtos tiveram um salto de cerca de US$ 4 bilhões, em relação ao ano anterior.

A nova medida chinesa entra em vigor no próximo dia 10. Será imposta uma tarifa adicional de 15% sobre frango, trigo, milho e algodão e de 10% sobre sorgo, soja, carne suína, bovina, produtos aquáticos, frutas, vegetais e laticínios.

Trata-se de uma resposta à decisão dos EUA de dobrar para 20% as tarifas sobre todos os produtos chineses.

Interlocutores no governo Lula veem forte potencial para a soja brasileira, uma vez que, atualmente, os EUA são os principais competidores para o fornecimento da oleaginosa no mercado chinês. De acordo com dados da Administração-Geral de Alfândega da China, em 2024 o Brasil exportou 74,6 milhões de toneladas de soja para o país asiático, ao valor de US$ 36 bilhões.

Os EUA venderam 22,13 milhões de toneladas, totalizando pouco mais de US$ 12 bilhões.

Há menor potencial de avanço para o milho, mas ainda assim pode haver ganhos nas vendas para a China, segundo disseram à Folha integrantes do governo.

No caso da soja e do milho, a previsão de safras maiores do que as do ano passado —no caso da soja, podendo chegar a 20 milhões de toneladas a mais— tende a gerar um excedente que pode ser absorvido por uma maior demanda chinesas a partir da retaliação comercial, ainda segundo auxiliares de Lula.

Os setores de frango e de carne suína também geram expectativas. Nas aves, os americanos são o segundo fornecedor das importações chinesas, atrás do Brasil. No caso dos porcos, estão entre os principais vendedores, com uma fatia relevante do mercado, embora bastante atrás da brasileira.

Mesmo a sobretaxa chinesa sobre o sorgo americano é visto como uma oportunidade pelo Brasil para ganhar terreno em um mercado do qual está praticamente ausente. Os americanos são os principais fornecedores do produto para a China, cujas importações somaram US$ 1,83 bilhão em 2023.

No final do ano passado, o Brasil, que detém apenas 0,29% do mercado global de sorgo, obteve autorização para vendê-lo no mercado chinês.

Inflação

Se para o agronegócio brasileiro a retaliação da China contra os EUA pode gerar ganhos, economistas alertam para o risco de a nova guerra comercial desencadeada por Trump colocar mais gás na inflação doméstica —hoje, a principal preocupação de Lula e uma das razões apontadas para a queda da sua popularidade.

Além da China, México e Canadá prometeram retaliar a tarifas estabelecidas pelos EUA contra seus produtos.

"Era um risco inflacionário que se concretizou", disse à Folha Carlos Thadeu Freitas Filho, especialista em inflação da BGC Liquidez. Ele lembra que o mercado fez uma antecipação de um cenário muito grotesco de aumento das tarifas durante o período eleitoral nos EUA e após a vitória de Trump, o que contribuiu para a alta do dólar.

Esse cenário ajudou o mercado financeiro a não prestar atenção na deterioração doméstica puxada pelo risco fiscal.

"Logo que o Trump foi eleito, ele não adotou essa primeira abordagem tão agressiva. Os mercados reduziram esse pessimismo. O real apreciou. Só que de duas semanas para cá, as coisas aconteceram", ressalta.

Agora Trump começou a acelerar as medidas e o Brasil vai acabar atendendo ainda mais a demanda externa da China pelos produtos taxados pelos EUA. Com o aumento da demanda para as exportações, o preço no mercado interno tende a subir, afirma o economista.

Para piorar, a guerra comercial acontece num momento em que o cenário já está complicado para a inflação no Brasil. "O clima não ajuda. O Centro-Oeste já está com clima quente. E tudo deve acreditar que o resto do ano vai ser com esse padrão que está aí: quente e déficit hídrico", diz o especialista da BGC.

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