Brasil cria plano para ter sua própria IA, mas não diz como vai conseguir

há 4 meses 48

O plano está dividido em ações imediatas e ações estruturantes de médio e longo prazo. Ao todo são 31 ações imediatas de curtíssimo prazo para resolver problemas específicos em áreas prioritárias, como otimizar os diagnósticos no SUS com sistemas inteligentes e enfrentar o abandono escolar com soluções de gestão de frequência no ensino básico.

O ponto estratégico para o país, no entanto, são as ações estruturantes que buscam trazer mais autonomia para o Brasil e reduzir as assimetrias e dependência de outros países. Essas ações estão distribuídas em cinco principais eixos:

  • Infraestrutura e desenvolvimento de IA: construir infraestruturas computacionais, promover o desenvolvimento nacional de chips de IA e o treinamento de Modelos de Linguagem (LLMs) em português.
  • Difusão, formação e capacitação: capacitar e treinar trabalhadores brasileiros em IA em todos os níveis e criar campanhas informativas para promover o uso crítico da tecnologia.
  • IA para melhoria dos serviços públicos: foco na construção de uma nuvem soberana para o processamento de dados públicos e assegurar a soberania nacional, além do desenvolvimento de soluções de IA para aumentar a eficiência dos serviços.
  • IA para inovação empresarial: desenvolver IA para desafios da indústria brasileira mirando o aumento da produtividade, estabelecimento de data centers "verdes" e fomento e aceleração de startups especializadas em IA.
  • Apoio ao processo regulatório e de governança de IA: promover um centro de pesquisas e estudos sobre os riscos e seguranças de IA, além de propor guias brasileiros de IA responsável.

Todos esses eixos se complementam e formam uma estratégia adequada.

Um ponto que me chamou atenção é que tiveram o cuidado de definir o problema, metas, prazos, orçamento e até mesmo as fontes de financiamento para cada uma das ações do plano. A ausência desses pontos era exatamente o alvo das críticas feitas ao documento anterior.

Contudo, devido à abrangência do plano, que envolve diversas áreas e uma grande quantidade de ações, ainda restam questionamentos sobre a viabilidade da implementação prática de muitas dessas iniciativas.

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Quando o plano estava em processo de elaboração, eu fui convidado para participar de uma das oficinas como um dos especialistas convidados. Junto com outros pesquisadores, alertei bastante da necessidade de promovermos a criação e disponibilização de conjuntos de dados nacionais para o treinamento de grandes modelos com foco no português.

Nossa preocupação é que, embora os modelos comerciais como ChatGPT e Gemini "falem" a nossa língua, muitas vezes isso ocorre por meio de traduções. Esse processo pode resultar em uma imposição cultural e subjetiva das línguas dominantes, como o inglês, gerando respostas incorretas e enviesadas.

Fiquei feliz em ver que a nossa inquietação foi contemplada, mas ainda tenho dúvidas de como as coisas vão acontecer. O documento prevê a construção de um modelo de linguagem (LLM) robusto para português em 12 meses, mas não deixa nenhuma pista de como isso será feito.

Quem vai desenvolver o modelo? Vamos apostar em um campeão nacional? O modelo será disponibilizado em qual licença? Aliás, esse é um ponto de atenção. O documento não cita explicitamente a importância e necessidade de modelos de código aberto, que é um fator estratégico e fundamental para o avanço da área no Brasil.

Outra questão que passou batida é a colaboração com os países líderes neste setor. O plano cita ações de compartilhamento da infraestrutura brasileira com outros países emergentes, mas o que podemos fazer com aqueles que lideram o desenvolvimento da tecnologia?

Eu sei que o plano visa justamente trazer autonomia, mas o país não está isolado e a inovação não acontece no vácuo. O Brasil deve pensar também em ações estratégicas de colaboração e intercâmbio com quem está na frente nesta corrida.

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Lembro que esta versão do plano ainda é uma proposta do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia entregue ao Lula. O documento será discutido internamente no governo federal e poderá sofrer alterações.

O risco agora é que o plano original seja descaracterizado ou tenha uma implementação inadequada. Precisaremos acompanhar de perto, pois as ideias são boas e, se bem executadas, podem levar o Brasil a um novo patamar de desenvolvimento tecnológico.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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