Boeing ignorou questionamentos da Ethiopian Airlines feitos meses antes de acidente fatal

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No final de 2018, o piloto-chefe da Ethiopian Airlines enviou uma mensagem urgente à Boeing, fabricante do avião 737 Max.

Um mês antes, um 737 Max operado pela Lion Air, da Indonésia, havia caído no mar, matando todos a bordo. A causa parecia ser um problema no sistema de controle de voo do avião.

A companhia aérea etíope também operava o 737 Max, e o piloto-chefe queria mais informações sobre os procedimentos de emergência a seguir caso o mesmo problema ocorresse novamente.

Na época, a Boeing estava fornecendo briefings detalhados para pilotos nos Estados Unidos que faziam essas mesmas perguntas.

Mas a empresa optou por não responder às perguntas do piloto etíope e apenas o encaminhou a um documento público que já havia emitido após o acidente da Lion Air. A Boeing respondeu que estava proibida de fornecer informações adicionais porque estava prestando suporte técnico às autoridades indonésias que investigavam o acidente.

Três meses após o pedido da Ethiopian Airlines, um de seus jatos 737 Max caiu no solo após decolar de Adis Abeba, capital da Etiópia, matando todas as 157 pessoas a bordo. A principal causa foi encontrada no mesmo sistema de controle de voo defeituoso responsável pelo acidente da Lion Air —uma falha que apresentou aos pilotos da Ethiopian Airlines as mesmas decisões de vida ou morte questionadas pelo piloto-chefe meses antes.

As trocas de e-mails entre o piloto etíope e a Boeing foram tornadas públicas após o The New York Times iniciar uma ação legal para deslacrar documentos em um caso criminal relacionado.

Embora não esteja claro se os pilotos da Ethiopian Airlines poderiam ter evitado o acidente se a Boeing tivesse fornecido uma resposta mais detalhada, especialistas em aviação disseram que a falta de informações adicionais provavelmente contribuiu para a incapacidade dos pilotos de reverter um mergulho fatal, uma vez que o sistema de software de controle de voo falhou.

"Quem sabe o que eles teriam feito com a informação, mas não tê-la sela o destino", disse Dennis Tajer, porta-voz da Allied Pilots Association, que representa os pilotos da American Airlines.

"Qualquer informação dada aos pilotos etíopes, como a que tivemos, poderia ter feito a diferença entre a vida e a morte", disse Tajer, que também é piloto e voa o 737 Max e outro modelo 737.

Após o acidente da Lion Air, executivos da Boeing procuraram pilotos dos EUA para informá-los sobre tópicos que não foram discutidos com os pilotos etíopes, incluindo estratégias de longo prazo para melhorar a segurança de voo, mostra uma gravação.

O briefing para pilotos americanos incluiu uma explicação detalhada do sistema de controle de voo que falhou, conhecido como MCAS. Executivos da Boeing abordaram seu papel operacional e falaram sobre questões técnicas vitais, incluindo como o sistema interage com os dados de ângulo de ataque, ou o ângulo em que o vento atinge a asa. Eles visavam melhorar a compreensão dos pilotos sobre o sistema e destacar sua complexidade.

Os representantes da empresa destacaram esforços para abordar e esclarecer o que chamaram de mal-entendidos relacionados ao MCAS e pressionaram por um treinamento que fosse além das verificações de rotina, focando em equipar os pilotos com uma compreensão completa do sistema e possíveis falhas.

Apesar das restrições que a Boeing descreveu na resposta ao piloto-chefe etíope, funcionários da Boeing discutiram inúmeros detalhes do acidente da Lion Air com os americanos.

De acordo com a troca de e-mails com a Ethiopian Airlines, o piloto-chefe estava buscando orientações semelhantes às que foram compartilhadas nos EUA. Poucos dias após participar de uma teleconferência da Boeing para todos os usuários do 737 Max, o piloto enviou um e-mail perguntando o que priorizar em caso de múltiplas emergências envolvendo MCAS. Tais emergências poderiam sobrecarregar os pilotos com luzes de advertência, sons audíveis e avisos aparentemente conflitantes.

Tajer, que participou da reunião da Boeing com pilotos americanos e fez várias perguntas na ocasião, disse: "Nossa reunião com a Boeing cobriu as mesmas perguntas que os pilotos etíopes estavam fazendo. É claro que eles tinham as mesmas perguntas que nós, mas não obtiveram as mesmas respostas."

Em retrospectiva, as perguntas feitas pela Ethiopian Airlines foram assustadoramente prescientes.

Durante o voo condenado da Ethiopian, os pilotos pareceram lutar com alguns dos mesmos problemas para os quais o piloto-chefe solicitou esclarecimentos. Por exemplo, o primeiro conjunto de alertas não havia sido resolvido quando um novo conjunto começou a piscar à medida que a falha do MCAS entrou em ação. Isso levou a um debate sobre se os pilotos poderiam ter superado a confusão e salvado o avião se tivessem recebido orientações mais eficazes sobre como responder.

Com apenas minutos para reagir quando o MCAS erroneamente inclinou o nariz do avião para baixo após a decolagem, os pilotos não conseguiram desativar o sistema rápido o suficiente, e o avião caiu no chão.

Os e-mails obtidos pelo Times estão sendo usados por famílias das vítimas do acidente para pressionar o Departamento de Justiça a adotar uma postura mais rígida com a Boeing e convencer um juiz federal a não aceitar um acordo da empresa com promotores federais.

Os e-mails corroboram algumas das conclusões de uma investigação do governo da Etiópia sobre o acidente.

O relatório etíope de dezembro de 2022 concluiu que, se a Boeing tivesse fornecido mais informações aos pilotos da companhia aérea sobre como responder em caso de mau funcionamento do software, eles poderiam ter recuperado o controle da aeronave.

Os investigadores etíopes também acessaram e incluíram no relatório os e-mails entre o piloto-chefe e a Boeing, mas a relutância da Boeing em fornecer orientações mais detalhadas passou amplamente despercebida na época.

O Departamento de Justiça investigou o papel da Boeing nos acidentes da Lion Air e da Ethiopian Airlines e soube dos e-mails antes de chegar a um acordo em 2021, que permitiu à Boeing evitar uma acusação criminal, disse uma pessoa familiarizada com a investigação.

O acordo de 2021 exigiu que a Boeing pagasse mais de US$ 2,5 bilhões para resolver uma acusação criminal de conspiração para fraudar o governo federal, especificamente a Administração Federal de Aviação. Os termos do acordo também exigiam que a Boeing se abstivesse de qualquer má conduta por três anos.

No início deste ano, o Departamento de Justiça concluiu que a Boeing violou esse acordo, afirmando que a empresa falhou em criar e manter um programa para detectar e prevenir violações das leis antifraude dos EUA.

Os e-mails trocados com o piloto da Ethiopian Airlines —que não foram disponibilizados aos investigadores do Congresso nos EUA e só chegaram ao conhecimento de familiares das vítimas do acidente no ano passado— agora fazem parte de um esforço das famílias para bloquear o acordo.

As famílias argumentam que o acordo não responsabiliza o suficiente a Boeing e seus executivos pelos acidentes, e não aborda o que veem como problemas profundamente enraizados na cultura da Boeing que estão colocando em risco os passageiros.

O Departamento de Justiça defenderá seu acordo de confissão criminal com a Boeing nesta sexta-feira (11) perante um juiz federal no Texas, que deve ouvir argumentos de todas as partes antes de decidir se aceita o acordo.

A Boeing também está enfrentando várias outras investigações federais sobre questões de segurança e qualidade após um incidente em 5 de janeiro, quando uma tampa de porta de um jato 737 Max 9 da Alaska Airlines se soltou durante um voo.

"É ultrajante que a Boeing tenha se recusado a responder a perguntas diretas dos pilotos da Ethiopian Airlines", disse Paul G. Cassell, advogado que representa as famílias das vítimas dos acidentes fatais. "Essa era uma informação de segurança vital que teria salvado 157 vidas. A Boeing colocou a continuidade de sua conspiração de ocultação à frente da segurança dos passageiros, matando todos a bordo."

Naoise Connolly Ryan, que vive na Irlanda com seus dois filhos pequenos, perdeu seu marido, Mick Ryan, no acidente da Ethiopian. Ela está entre os que lideram o movimento para interromper o acordo de confissão da Boeing e do Departamento de Justiça.

Ryan critica a Boeing por reter informações de segurança das companhias aéreas, chama a atitude de criminosa e sugere que a empresa poderia ter evitado o acidente da Ethiopian. Para ela, a Boeing não tinha o direito de usar a investigação como desculpa para não compartilhar o que chamou de informações cruciais.

Ryan disse não saber porque o Departamento de Justiça não investigou mais a fundo o assunto.

"Se alguém tivesse decidido fazer a coisa certa, tivesse consciência e colocasse vidas e segurança acima de seus próprios interesses corporativos, então meu marido, acredito, estaria vivo hoje", disse Ryan.

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