O Brasil vivia um bom momento no pós-guerra: após 8 anos de Estado Novo, o país estava redemocratizado e, além disso, com os cofres cheios de divisas (graças ao fornecimento de matérias-primas para os Aliados). Havíamos importado poucas mercadorias no período da Segunda Guerra Mundial e a balança comercial pendia francamente a nosso favor.
Ao mesmo tempo, vivíamos uma carência de carros novos — dos primeiros meses de 1942 ao fim de 1945, foram quase quatro anos sem receber qualquer zero-quilômetro no país. Durante a guerra, nem autopeças havia direito. E havia o racionamento de gasolina, que levou muita gente a adaptar os medonhos kits de gasogênio para continuar rodando. Nossa frota envelheceu.
Assim, em 1946, quando as fábricas norte-americanas e europeias finalmente voltaram a produzir veículos, houve uma corrida atrás de automóveis novos. Quem já tinha linhas de montagem no país, como a Ford Motor Company e a General Motors do Brasil, saiu na frente. Fabricantes como Chrysler, Studebaker, Hudson e Packard, que já marcavam forte presença em nosso mercado antes da guerra, retornaram com força total.
Foto de: Motor1.com
Packard conversível (Foto - Jason Vogel)
Os britânicos, por sua vez, retomaram rapidamente sua produção de carros para exportação, que eram trocados por alimentos e outras mercadorias de primeira necessidade. Assim, da noite para o dia, nossas ruas se viram cheias de Morris, Austin, Hillman e Ford ingleses (Prefect e Anglia).
Importadores independentes aproveitavam brechas na legislação para viajar a Nova York “a passeio” e, na volta, enchiam os porões dos navios com carros novos — tratados como “bagagem acompanhada”. Milhares de sedãs e conversíveis foram trazidos dessa forma, dando lucros astronômicos aos donos de agências de automóveis.
A gigantesca demanda por carros 0km também animou dezenas de aventureiros a representarem fabricantes novatos ou totalmente desconhecidos no país. Basicamente, tudo o que chegava era facilmente vendido. E era comum que esses comerciantes importassem um lote com, digamos, dez carros de alguma marca obscura e logo se cansassem da brincadeira...
Essa febre durou até 1953 quando Getulio Vargas, novamente na Presidência da República (agora eleito pelo povo), começou a restringir as importações para fomentar o nascimento da indústria automobilística brasileira.
Selecionamos algumas das tantas marcas (hoje esquecidas) que apareceram por aqui no pós-guerra. Você conhece alguma delas?
Foto de: Jason Vogel
Jawa Aero (Aero Minor)
JAWA
Certamente você conhece as motocicletas Jawa. Produzidas na Tchecoslováquia, foram imensamente populares no Brasil na década de 50. O que pouca gente sabe é que a Jawa também fez automóveis. Começou nos anos 30, com o Jawa 700, mas teve que interromper a produção durante a guerra. Contudo, mesmo com o país ocupado pelos nazistas, os engenheiros da companhia prosseguiram secretamente com o projeto de um novo modelo, o Jawa Aero. Era um carro pequeno, com carroceria aerodinâmica (daí o nome), tração dianteira e motorzinho dois tempos, de dois cilindros e apenas 615 cm³.
Sua produção teve início em 1946 e ficava por conta de outra fábrica tchecoslovaca, a Aero — daí o modelo também ser chamado de Aero Minor. Um exemplar preparado para corridas conquistou o segundo lugar em sua categoria nas 24 Horas de Le Mans de 1949. Foram feitos 14 mil desses carrinhos até 1952, sendo exportados para 23 países, incluindo o Brasil. Encontramos um anúncio de 1949 em que o Jawa Aero é vendido numa agência de Copacabana.
Foto de: Jason Vogel
Playboy
PLAYBOY
Depois da guerra, houve muitas tentativas de se lançar novas marcas de automóveis. Em geral, um empresário começava a vender ações para construir uma fábrica, mas a produção não engrenava. Nos Estados Unidos, o caso mais famoso foi o da Tucker. Em menor escala houve ainda a Playboy Automobile Company.
A companhia fabricou um um conversível de três lugares (em um único banco inteiriço) e 3,94 m de comprimento. Tinha características modernas para a época, como estrutura monobloco, teto rígido retrátil e suspensão independente nas quatro rodas.
Em janeiro de 1948, a empresa adquiriu uma antiga fábrica de motores de avião, que havia sido utilizada no esforço de guerra, com a intenção de produzir ali "100 mil carros por ano". Seu parco capital inicial, porém, já estava acabando e a Playboy teve sua falência declarada em abril de 1949, após produzir somente 97 automóveis.
Um desses carros chegou ao Brasil, trazido por Nicolau Baranowsky, que seria o representante exclusivo da Playboy em todo o país. Nada menos que 163 compradores pagaram o sinal para ter seu Playboy zero-quilômetro — mas nenhum deles recebeu o carro.
Foto de: Jason Vogel
trojan
TROJAN
A Trojan foi uma tradicional fábrica britânica que, nos anos 20, fabricou um carro para concorrer com o Modelo T. Depois da Segunda Guerra, a companhia retomou a produção com veículos comerciais.
Alguns poucos exemplares chegaram ao Brasil — encontramos uma propaganda de 1952 em que os furgões Trojan eram vendidos no Rio de Janeiro pela empresa Ernesto Goetze, Comércio e Representações. Anunciado como “o orgulho da indústria inglesa”, o modelo podia carregar 950 quilos e fazia 9 km/l de gasolina.
Na década seguinte, a Trojan produziu sob licença na Inglaterra os pequenos triciclos alemães Heinkel (concorrentes da Isetta). A fábrica fechou em 1965.
Foto de: Jason Vogel
Jowett 1951
JOWETT
Outra tradicional fabricante britânica era a Jowett. Fundada em 1906, a companhia chegou a ter uma boa presença no Brasil após a Segunda Guerra Mundial, representada pela firma Seisa, do Rio de Janeiro.
Seus modelos nesse período eram o sedã Javelin e o esportivo conversível Jupiter. Tinham motor boxer dianteiro, suspensão independente nas quatro rodas, por barras de torção, e estrutura monobloco. O bom desempenho (“velocidade de cruzeiro de 125 km/h”, apregoava um anúncio) permitiu ao Jupiter conquistar o 1º e o 2º lugares na categoria abaixo de 1,5 litro no Rali de Monte Carlo de 1951.
A Jowett, contudo, entrou em crise financeira — em 1954, a fábrica foi vendida para a divisão de tratores da International Harvester.
Foto de: Jason Vogel
Lanchester Fourteen (Leda)
LANCHESTER
Havia muitos carros ingleses nas ruas brasileiras do pós-guerra. A firma de comércio exterior Intimex (com escritórios no Rio, em São Paulo, em Curitiba e em Porto Alegre) representava a Lanchester Motor Company, marca fundada em 1899 e que, anos depois, foi comprada pela fábrica de motocicletas BSA, em conjunto com a Daimler britânica.
Foto de: Jason Vogel
Lanchester 1952
No início da década de 50, a Intimex vendeu aqui os Lanchester Fourteen — também chamados de Lanchester Leda. Eram sofisticados sedãs com motor 2.0 de quatro cilindros acoplado a uma “transmissão fluida”. Era, para ser exato, um câmbio manual de quatro marchas com pré-seletor e um conversor de torque. Apenas 2.100 exemplares do Fourteen/Leda foram fabricados.
O último carro com o nome Lanchester foi produzido em 1956. A marca, contudo, continua registrada e foi comprada (juntamente com a Jaguar) pelo grupo indiano Tata.
Foto de: Jason Vogel
Ostner 1951
OSTNER
A Alemanha sempre foi pródiga em fábricas de veículos. A Ostner Fahrzeugfabrik, da cidade de Dresden, foi criada em 1921 para produzir motocicletas. Em meados da década de 30, passou a fazer triciclos de entrega.
Com a divisão da Alemanha depois da Segunda Guerra, o fundador Willy Ostner deixou Dresden, no lado oriental, e moveu sua fábrica cerca de 300 quilômetros para Sulzbach-Rosenberg, na Alemanha Ocidental.
Lá, produzia não só os triciclos de carga, como também uma linha de vans, furgões, picapes e pequenos caminhões equipados com o motorzinho dos Ford Taunus alemães (quatro cilindros, “cabeça chata”, 1,1 litro). Pode-se imaginar que entregas rápidas não eram seu forte…
A Ostener chegou a ter um agente geral no Brasil, Lourival de Oliveira Reis, em 1951. Mas a operação não foi muito longe. A fábrica na Alemanha Ocidental foi vendida em 1955.
Foto de: Jason Vogel
Tempo Carbrasa 1952
TEMPO
Outra fabricante alemã de veículos comerciais foi a Vidal & Sohn Tempo-Werk GmbH — ou, simplesmente, Tempo. Fundada por Oscar Vidal em Hamburgo, em 1928, a companhia fazia inicialmente triciclos motorizados para entregas.
Na década de 30, produziu também o exótico fora-de-estrada Tempo G1200, com um motor na dianteira e outro na traseira — o modelo chegou a ser adotado pelo Exército Brasileiro antes da Segunda Guerra.
Depois da guerra, a produção dos triciclos Tempo foi retomada. Seu motorzinho dois tempos, de 400 cm³, era montado sobre a única roda da frente. A tração, por meio de corrente, também era dianteira. Simples e muito resistente, esse triciclo ajudou a levantar a Alemanha dos escombros, na segunda metade dos anos 40.
Foto de: Jason Vogel
Tempo matador
Em 1949, um ano antes de a Volkswagen lançar a Kombi, a Tempo-Werk apresentou seu mais famoso modelo: o Matador. Era um veículo comercial de quatro rodas e com motor fornecido pela Volkswagen. O motor, contudo, era montado entre-eixos, sob o banco da frente, tracionando as rodas dianteiras. Outra característica peculiar era o tanque instalado bem na frente do carro. Qualquer batida ali era um perigo…
O sucesso do Tempo Matador foi tamanho que incomodou Heinrich Nordhoff, presidente da Volkswagen. Ele então proibiu o fornecimento de motores para o rival da Kombi. A Tempo-Werk tentou alternativas comprando motores de dois tempos de outros fornecedores. Depois, juntou-se à fábrica alemã Hanomag e acabou incorporada pela Daimler-Benz.
No Brasil dos anos 50 era fácil ver os Tempo levando cargas e passageiros. A distribuição no país era feita pela Carbrasa, que também era representante Volvo e ficou mais famosa fabricando carrocerias de ônibus.
Foto de: Jason Vogel
Anuncio caminhão Goliath 1936
GOLIATH
A Goliath — divisão do grupo Borgward — é outra marca alemã que estreou fabricando triciclos nos anos 20 e 30. Depois da Segunda Guerra, manteve a produção de seus veículos comerciais de três rodas. Visualmente, pareciam muito com o rival fabricado pela Tempo-Werk. Havia, porém, uma grande diferença técnica: em vez de transmissão por corrente na dianteira, os triciclos da Goliath tinham um cardã que levava a tração às rodas traseiras.
No pós-guerra, talvez por conta do êxito internacional da Volkswagen, a Goliath resolveu arriscar-se no mercado de carros de passeio e lançou os GP 700. Eram pequenos sedãs de duas portas com desenho muito avançado para 1950. Vieram ainda um cupê esportivo e uma station wagon. Outra modernidade é que esses automóveis tinham tração dianteira e motor transversal (dois cilindros, dois tempos, como nos DKW da época).
Foto de: Jason Vogel
Goliath GP700
A carioca Bramocar, que importava os ingleses Morris, passou a trazer da Alemanha, no início dos anos 50, o compacto Goliath GP700 com "injeção de combustível na câmara de explosão". Sim: este foi o primeiro automóvel do mundo com injeção de gasolina diretamente na câmara de combustão, uma tecnologia desenvolvida pela Bosch.
Com a falência do grupo Borgward, a pioneira Goliath deixou de existir em 1961.
Foto de: Jason Vogel
Warszawa 1958
WARSZAWA
A estatal Fabryka Samochodów Osobowych (FSO) foi fundada na Polônia em 1948 com o projeto de fazer modelos da Fiat, sob licença, em Varsóvia. O acordo acabou não saindo e, em 1951, a companhia começou a montar localmente os automóveis soviéticos GAZ-M20 Pobeda.
Foto de: Jason Vogel
Warszawa
Aos poucos, a FSO foi nacionalizando cada vez mais o Pobeda — rebatizado de Warszawa na Polônia. O modelo tinha um jeitão obsoleto para quem estava acostumado a conviver com automóveis norte-americanos. Por outro lado, era barato e rústico. Quem o conheceu na época, diz que era muito resistente, com exceção do eixo traseiro, seu calcanhar-de-aquiles.
Os primeiros lotes de Warszawa chegaram por aqui em 1956, quando o Brasil já começava a inaugurar suas primeiras fábricas de veículos. Até 1958, algo entre 200 e 400 unidades foram vendidas no Brasil. Chegou-se a anunciar uma fábrica por aqui, mas o projeto nunca saiu do papel. Sabe-se de apenas dois “sobreviventes” no país.