A inauguração do Teatro Cultura Artística –reconstruído 16 anos após o terrível incêndio que o havia consumido– foi o principal marco da música clássica brasileira em 2024.
Antes de tudo pelo teatro em si, cuja sala principal já pode ser considerada a acusticamente mais preparada do país para recitais solo, música de câmara e pequenos grupos orquestrais e corais, e isso tanto em termos de homogeneidade e isolamento, como na qualidade da recepção da experiência sonora.
Mas, para além, cabe ressaltar igualmente a memorável programação que fez pender a energia da música clássica em São Paulo para o bairro da Consolação. Dada a intensidade e concentração da temporada, às vezes era difícil, nos últimos meses, eleger o melhor concerto da semana.
O barítono alemão Mathias Goerne interpretando o ciclo de canções "Winterreise", de Schubert, com o pianista finlandês Anton Mejias foi um exemplo de fruição estética plena, assim como a apresentação do oratório "O Messias", de Haendel, pela Academia Bach de Stuttgart, solistas e coro dirigidos por Hans-Christoph Rademann.
Se os critérios forem energia e adrenalina, certamente há de se mencionar o concerto da Amsterdam Sinfonietta, tendo como solista a violinista Janine Jansen (com seu Stradivarius), tocando obras de Adès, Walton e Vivaldi. Já para quem preza os diálogos possíveis à música de câmara, terá sido inesquecível o recital de dois dos mais importantes quartetos de cordas das últimas décadas –o Ébène e o Belcea– tocando juntos em octeto Mendelssohn e Enescu. Por outro lado, nunca Beethoven, Brahms e Bach (nesta exata ordem) puderam significar tanto juntos como na apresentação da pianista Hélène Grimaud.
Do outro lado do Vale do Anhangabaú, na Sala São Paulo a temporada da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp) manteve sua importância capital no cenário, apesar de alguns programas terem mostrado uma combinação um tanto estranha de autores e obras, como o concerto que tentou integrar Webern a um concerto de Mozart, uma obra para sopros de Wynton Marsalis e uma sinfonia de Shostakovich.
Os destaques, porém, foram muitos, a começar por "Para ouvir as Américas", um dos concertos preparatórios para a miniturnê europeia, dirigido pelo maestro titular Thierry Fischer com obras de Ives, Villa-Lobos e Varèse. Ou o incrível programa regido por Heinz Holliger tendo "Tonscherben" (de sua autoria), o "Concerto para violino" de Alban Berg (com solo de Ilya Gringolts) e a "Sinfonia nº2" de Schumann.
A associação com pianistas como o inglês Paul Lewis e o islandês Víkingur Ólafsson tiveram força maior do que as apresentações do Artista em Residência, o jovem Tom Borrow.
Outros programas memoráveis foram o regido por Elim Chan, com obras de Anna Clyne, Eötvös e Shostakovich, ou a "Missa em si menor" de Bach com direção de Leonardo García Alarcón.
Iniciativas como o concurso para compositoras latino-americanas (da Osesp, infelizmente sem continuidade anunciada), no início do ano, e o concerto especial na Sala São Paulo no Dia da Consciência Negra (iniciativa da série Tucca), viabilizaram estreias mundiais de obras como "Imagen-tiempo", de Eva García Fernández, "Pampeana", de Stephanie Macchi, e "Saravá", de João Luiz Rezende. Uma outra estreia importante foi a da "Sonata Prisma", para violão, de Elodie Bouny.
Tristes perdas ocorridas neste ano foram as do compositor pernambucano Marlos Nobre (1939-2024), internacionalmente premiado e aclamado, do queridíssimo pianista Arthur Moreira Lima (1940-2024), e do violoncelista Antônio Meneses (1957-2024), certamente um dos instrumentistas que melhor representou o Brasil no mundo internacional da música clássica nas últimas décadas.
Mas também foi um ano de celebrações, como os 80 anos da compositora carioca Marisa Rezende, a vitória do brasileiro Caio de Azevedo no Concurso de Composição de Genebra, e os 90 aniversários de nosso mais importante maestro: em plena atividade, Isaac Karabtchevsky segue a inspirar músicos e um amplo público de diferentes gerações.