Na longa história do desgoverno paulista com a área de segurança, o ano de 1992 se sobressai como um conto cautelar para ocupantes do Palácio dos Bandeirantes.
O então inquilino, Luiz Antônio Fleury Filho (PMDB), liderava o ocaso do quercismo com mão de ferro na segurança. A linha-dura deixou naquele ano quase 1.500 mortos pelas mãos policiais, sem que o governador piscasse enquanto a violência se espraiava.
Para algo mudar, foi preciso uma tragédia, o massacre da Casa de Detenção do Carandiru, onde uma briga de presos resultou numa invasão alucinada da PM que deixou 111 mortos e um trauma nacional —o local acabou demolido, sua memória eternizada em livro, filme e polêmicas judiciais.
O futuro presidente Michel Temer assumiu a Secretaria da Segurança, impôs o programa de redução de danos apelidado "Rota light" e as coisas se acalmaram aos poucos. Mas a caveira de burro enterrada no setor seguiu ativa nos anos seguintes, felizmente sem eventos tão extremos.
O longevo Geraldo Alckmin, João Doria, Rodrigo Garcia. Todos esses então tucanos enfrentaram crises devido aos entrechoques do exercício do monopólio do uso da força pelo Estado e os abusos, que especialistas apontam como estruturais, herdados da militarização da antiga Força Pública.
Agora é a vez de Tarcísio de Freitas (Republicanos), que já havia provado um aperitivo do problema com as operações contra o PCC no litoral paulista.
Até ali, prevalecia o entendimento do conservadorismo paulista clássico ("bandido bom é bandido morto") de que a população valoriza mais sensação de segurança do que os ditos danos colaterais, aspas obrigatórias.
Tarcísio, fiel aí a sua origem militar na vida e bolsonarista na carreira, parece não se importar de fato com o aumento da letalidade policial ou com as críticas aos empecilhos que coloca no emprego das essenciais câmeras corporais. Seu "não estou nem aí", que já virou meme, claro, trai sinceridade.
Do ponto de vista estritamente político, pode até colar. A guerra contra o crime organizado é algo urgente, de fácil compreensão popular.
Mas a coisa muda de figura quando um delator do PCC cercado por policiais fazendo bico é morto no maior aeroporto internacional do Brasil, e ainda mais quando PMs começam a jogar pessoas de ponte e executar jovens num mundo em que, se suas câmeras não estão ligadas, as de uma miríade de celulares estão.
Por ora, ao manter o polêmico Guilherme Derrite na cadeira que já foi de Temer, o governador dobra sua aposta. Fala para dentro, também: apesar de ser visto com desconfiança por oficiais superiores, mero capitão com carreira obscura que foi, o secretário apela aos instintos mais primários de parte da tropa.
Mas Tarcísio mira ainda a lógica segundo a qual a classe média não dá tanta bola para bandido morto, sendo assim possível absorver os choques e tentar mostrar números de redução de crime. E que o eleitorado bolsonarista mais radical, franja que seja, quer mais é ver sangue.
Pode ser, mas a banalidade da cenas brutais tende a colocar isso tudo à prova. Para ficar na dita percepção dos mercados, um fetiche no Bandeirantes, é preciso no mínimo fingir compromissos ESG para manter o produto aceitável. E o S, de "social", está longe do que foi visto.
Presidenciável que é, Tarcísio já tem um calcanhar de Aquiles para chamar de seu na PM paulista.