Análise: Prisão de Braga Netto é divisor de águas para o Exército

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O golpismo que fundou a República brasileira pela espada em 1889 é uma nódoa confundida como medalha por muitos militares, particularmente aqueles oficiais-generais que chegaram às Forças nos estertores da ditadura de 1964.

Para eles, o conceito de função moderadora, que ganhou até verniz pseudoconstitucional por obra de vivandeiras do século 21, é inerente ao uniforme. A histórica inapetência do poder civil de lidar com assuntos de Defesa, tratando com os militares só quando golpes se fazem úteis, ajudou a forjar essa noção.

Walter Braga Netto sempre foi aderente deste ideário. Do tipo "prendo e arrebento", renegava o caráter autoritário do regime dos generais que o antecederam e seus crimes. Como homem e suas circunstâncias, provou-se um herdeiro apto deles pelo transparece do inquérito do golpe até aqui.

Por evidente, ele precisa de um julgamento justo e ampla defesa, algo que foi negado a toda uma geração pelos fardados. Com sorte, o processo poderá tornar o divisor de águas de sua prisão numa revolução de fato dentro do Exército, principal braço do poder militar brasileiro.

Generais de quatro estrelas são aves raras. Há apenas 19 no Exército, de cada turma de 400 cadetes formados nas Agulhas Negras, só 4 chegam ao topo da hierarquia. Infelizmente, alguns não se mostraram à altura do investimento feito pelo Estado em sua formação na crise de 2022.

Ao que tudo indica, Braga Netto era um deles. O DNA verde-oliva com toque do alvor do fardamento do então comandante da Marinha do golpismo daqueles dias finais da era Bolsonaro já foi cantado em verso e prosa, e agora oito militares se encontram presos.

O dano da simbiose que as Forças Armadas estabeleceram com o bolsonarismo levará, como já foi dito, muito tempo para ser expurgado. Mas a tentativa de ressuscitar o papel político das Forças Armadas, o projeto do celebrado comandante Eduardo Villas Bôas, esbarrou nas instituições democráticas.

Braga Netto já era visto como elemento contaminado pelos seus pares bem antes de envergar o manto golpista que a PF tem apontado, e a resistência ao movimento do trio Tomás Ribeiro Paiva, Valério Stumpf e Richard Nunes no Alto-Comando do Exército deu materialidade ao que poderia ser apenas retórica.

O desafio agora cabe a Tomás, tornado comandante do Exército na esteira de um discurso legalista histórico, em meio à turbulência do 8 de Janeiro. Ele, ao lado do ministro José Múcio (Defesa), recolocou a tropa no quartel enquanto driblava as estocadas do PT, que buscava punição institucional ao conjunto das Forças pelo bolsonarismo de parte delas.

Neste particular, foi bem-sucedido, mas a conta veio na forma da apuração policial e da caneta implacável de Alexandre de Moraes. Se o ministro continua sendo visto por integrantes do Alto-Comando como alguém que abusa de seus poderes, ele deu a Tomás uma oportunidade de consolidar seu trabalho.

O momento é delicado, em particular com a sempre desinibida reserva. Os grupos de WhatsApp da turma do pijama fervem com teorias conspiratórias em que Moraes e Lula operam juntos o desmonte das Forças e coisa pior.

Não se deve desprezá-los: Bolsonaro ganhou musculatura em 2017 quando foi adotado por um grupo de generais da reserva que acreditava ser possível dominá-lo e promover a tal volta por cima, com a bênção de Villas Bôas. Deu no que deu, e com três anos de governo o então presidente já havia dizimado a cúpula militar.

Nem tampouco deve ser dar peso excessivo, e Tomás sabe disso. Os generais não viraram eleitores do PT ou do PSOL, mas é primário tachar as Forças como um todo de golpistas e bolsonaristas.

Isso dito, o comandante continuará a ser chamado de melancia por alguns, mas cada vez mais em voz baixa e fora do expediente. Se combinar disciplina hierárquica com o exemplo de Braga Netto e outros acerca do que acontece com quem sai da linha, poderá ter sua vitória.

Ele corre contra o tempo e precisa contar com um trabalho impecável do Judiciário em estabelecer os fatos de 2022. Somente essa combinação garantirá a resistência institucional do estamento militar à eventual e plausível volta do bolsonarismo, ou de algum genérico, ao poder.

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