Se há uma constante entre as escolhas de melhor livro do ano no prêmio Jabuti, é a surpresa. Serviu para a vitória de Rosa Freire d’Aguiar pelas crônicas de "Sempre Paris", na noite desta terça-feira.
Tanto que a autora subiu ao palco para receber as honras por sua coletânea de memórias, uma obra de cujo interesse ela mesma duvidou no início, engasgada de choque e sem discurso preparado. Isso mesmo gozando de décadas de prestígio por um trabalho admirado, por exemplo, como tradutora de clássicos fundamentais da França.
Desde que o prêmio de livro do ano foi unificado em 2018 —antes se reconheciam, separadamente, um livro de ficção e um de não ficção—, foram celebrados desde o épico feminista de Luiza Romão até o infantil ambientalista "Sagatrissuinorana", desde um estudo socioeconômico rigoroso de Pedro Souza até a lírica dylaniana de Fabrício Corsaletti.
Em comum, só o fato de que pouquíssimos esperavam ver o pequeno troféu de ouro nessas mãos. Não foram livros que dominaram conversas e corações do leitorado antes do prêmio —a maioria se alavancou para encontrar seu público depois do feito—, o que deixa o mistério de qual foi a intenção dessa entidade, o Jabuti, em selecionar essas obras como as melhores do ano.
A resposta é nenhuma. A eleição do principal prêmio da maior noite da literatura brasileira é resultado da mais fria matemática, frustrando quem imagina um júri dedicado a garimpar e matutar sobre uma escolha com significado, que mande algum recado aos leitores e ao mercado editorial.
A premiação do Jabuti é baseada num sistema de notas. Três jurados por categoria oferecem avaliações a diversos critérios distintos e pré-estabelecidos em cada uma das 22 categorias, sem poder repetir uma mesma nota a dois livros nem dar duas notas iguais ao mesmo livro.
Os mais bem votados entram para a lista de dez semifinalistas, os cinco de maior pontuação se tornam os finalistas convidados à noite de gala —que nesta terça foi no Auditório do Ibirapuera, em São Paulo— e, no fim, o livro com nota mais alta ganha o prêmio.
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Ou seja, os jurados votam apenas uma vez, ao atribuir a série de notas, sem conversar entre si nem avaliar qual será o livro campeão com base na lista de finalistas. É preencher os números e seguir a vida.
O livro do ano sai da mesma forma. Entre as 14 categorias dos eixos de ficção e não ficção —que excluem obras eleitas, por exemplo, por aspectos de produção editorial como capa e projeto gráfico—, o título que recebeu a maior nota entre todos leva o maior prêmio da noite. Simples assim.
Como os critérios e jurados de cada uma das categorias são diferentes, isso diz pouco sobre o contraste de obra contra obra. Mas descarta qualquer interpretação de que o Jabuti busque projetar a poesia, os livros infantis, as pequenas editoras, os grandes conglomerados, as crônicas de inspiração francesa ou qualquer outra coisa. O prêmio obedece apenas à objetividade da planilha.
O júri é convidado pela curadoria do prêmio, capitaneada neste ano pelo educador Hubert Alquéres, e muda anualmente, ainda que não haja veto à repetição de nomes. Então cada troféu é fruto também de preferências e vieses pessoais que às vezes se contrabalançam, às vezes não.
Isso explica a divergência no estilo dos prêmios oferecidos em uma mesma noite. Alguns se fiaram a reconhecer nomes já bem estabelecidos, caso de Aguiar, de Contardo Calligaris, psicanalista popular morto em 2021, e da obra infantil duplamente vencedora de Ilan Brenman e Guilherme Karsten.
A categoria de romance literário cimentou, com segurança, o inegável impacto que Itamar Vieira Junior produziu sobre a cena da literatura recente —o escritor de 45 anos agora tem dois de seus dois romances como vencedores do Jabuti.
E houve espaço para projetar nomes promissores de fora do circuito, caso da educadora baiana Bárbara Carine, do quadrinista potiguar Luckas Iohanathan e da contista pernambucana Bethânia Pires Amaro —todos radiantes, ganhando por seus primeiros livros.
Nisso, vale ressaltar o esforço das duas categorias de escritores estreantes, entre romancistas e poetas, para revelar assinaturas de bravas editoras independentes, de onde eram quase todos os indicados e as duas vencedoras —Patrícia Larini com "Os Náufragos", da Patuá, e Bianca Monteiro Garcia com "Breve Ato de Descascar Laranjas", parceria da 7Letras e da Macabéa.
Sintoma de que dentro da orquestra de uma mesma premiação, há muita gente tocando em ritmos distintos. Se nem sempre há consonância, faz parte da sinfonia.