Análise: Marçal vende um 'Davi vs. Golias' ao avançar sobre Nunes na base evangélica

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O que o bom desempenho de Pablo Marçal (PRTB) no eleitorado evangélico nos diz?

O autodenominado ex-coach, para quem "cristianismo é lifestyle", ganha terreno como candidato dos evangélicos paulistanos. Tem 30% de predileção nesse grupo, contra 21% na população geral, segundo pesquisa Datafolha feita nesta semana.

Depois vêm Ricardo Nunes (MDB), opção de 22% dos fiéis, José Luiz Datena (PSDB), com 14%, e Guilherme Boulos (PSOL), apoiado por 12%. A margem de erro é de seis pontos percentuais nesse recorte religioso. Um empate técnico na liderança entre Marçal e Nunes, portanto.

Mas essa matemática parece favorecer Marçal, que cresceu 12 pontos entre os evangélicos em duas semanas. Nunes perdeu quatro pontos, dentro da margem de erro.

Vale destacar que o influenciador é citado de forma espontânea (quando nenhum nome é apresentado de antemão para o eleitor) por 18% dos crentes. Nunes bate 7%, e Boulos, 6%. A menção espontânea a seu nome sinaliza um possível processo de cristalização do voto.

Esse trânsito eleitoral, especialmente nas próximas semanas, pode dar algumas pistas sobre a disputa pelo voto na direita e nos segmentos mais alinhados ao bolsonarismo. Evangélicos, afinal, são uma parte importante da base do ex-presidente e representam 23% da amostra de eleitores ouvida pelo Datafolha.

Ambos parecem ter muitas portas abertas por ali. A rejeição a Marçal é baixa nas igrejas evangélicas: 22% versus 34% na amostra total. A de Nunes também é pequena, de 23%.

A diferença é que o prefeito em busca da reeleição, um católico praticante amigado da bancada evangélica municipal, vem sendo respaldado por boa parte da cúpula evangélica de sua cidade. Já Marçal não é uma persona tão grata assim nos círculos pastorais de peso.

Num pleito modulado pela nacionalização do debate, figuras graúdas da cena pentecostal batem de frente com o candidato do PRTB.

O pastor Silas Malafaia, com quem ele já tinha brigado e feito as pazes em 2022, agora diz que Marçal não é bem-vindo no ato bolsonarista de 7 de Setembro. O deputado Sóstenes Cavalcante (PL), ex-presidente da bancada evangélica, mede ainda menos as palavras: chama-o de "megalomaníaco e egocêntrico", alguém que entrou na política "para poder vender as coisas que ele vende na internet".

Outros pastores de alcance regional com quem a reportagem conversou o acusam de querer surfar nas igrejas sem contudo vestir a camisa evangélica. Uns até gostam dele, acham que tem algo ali, mas temem um temperamento que definem como de franco-atirador.

Há um descompasso entre liderança e base, e, para muitos pastores, é aqui que mora o perigo. Marçal vem arrebatando fiéis à revelia do andar de cima. É como se levasse a lógica antissistema às igrejas, promovendo uma relação desinstitucionalizada com a fé.

Não que seja um estranho no ninho evangélico. Ele domina o dialeto pentecostal, posta live em cultos, tem uma esposa que defende a submissão feminina ao marido e se apresenta como "mãe de três generais e uma princesa".

Ativa ainda uma chave empreendedora popular em igrejas curvadas à Teologia da Prosperidade. No Christ Summit, evento voltado a empresários cristãos, desfiou máximas como "Deus não é couve para você misturar na comida, não dá para tirar Deus de nada". Essa teologia de coaching tem lastro no segmento.

Marçal não se define como evangélico. Ainda que não abraçar o rótulo religioso pareça estranho a quem é de fora da igreja, o recado pode ser compreendido por fiéis como uma piscadela. Dispensar a hierarquia pastoral e falar direto com Deus é um recado simples, facilmente assimilável pelos crentes. E naturalmente explosivo dentro das igrejas maiores.

Quando disse que "cristianismo não é religião, é lifestyle", por exemplo, Marçal logo discorreu que "religião precisa de templo", ao contrário do cristianismo, porque nele "seu corpo é o templo, ou seja, não é um templo construído por mãos humanas, mas pela própria mão de Deus".

Nesse contexto, é sintomática a fala que sua assessoria de imprensa disparou após a divulgação do Datafolha que o põe em pé de igualdade com Nunes e Boulos: "Somos só NÓS (o povo e Deus) contra tudo e todos". O influenciador investe sobretudo na ideia de que só presta contas a Deus, e Deus está a seu lado na batalha contra gigantes.

Esse Davi versus Golias dos tempos modernos é uma imagem vibrante no imaginário evangélico: o candidato ungido contra um sistema que faz de tudo para detê-lo. Uma narrativa poderosa que já beneficiou você sabe quem no passado.

Se Jair Bolsonaro (PL) se deu bem com esse discurso no passado, agora é Marçal quem tenta se vender como insubmisso ao status quo. E aí é Bolsonaro quem corre o risco de parecer captado pela máquina, ao endossar um "banana" (palavras de Marçal) como o prefeito de São Paulo.

O pastor Yago Martins compartilhou na internet uma analogia bíblica que põe o ex-presidente como uma espécie de rei Saul nesse enredo político. Bolsonaro seria como o velho monarca destinado a perder sua coroa para o jovem e corajoso Davi, "por não seguir integralmente as diretrizes divinas".

Enquanto isso, Marçal propõe uma São Paulo acima de tudo, com Deus acima de todos. Pode colar.

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