Análise: Kinuyo Tanaka, para além de Mizoguchi, brilhou como cineasta

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No cinema japonês, são muitos os tesouros e alguns ainda estão meio escondidos. O espectador pode conhecer obras de Kenji Mizoguchi, Yasujiro Ozu ou Akira Kurosawa, mas poucos conhecem o trabalho como diretora de uma grande atriz japonesa: Kinuyo Tanaka.

Tendo interpretado heroínas e sofredoras em vários dos filmes clássicos japoneses, sobretudo para Mizoguchi, que a admirava, Tanaka realizou apenas seis filmes como diretora, todos notáveis. Foi a segunda mulher a dirigir filmes no Japão, e a primeira a desenvolver uma carreira na função.

Dos seis longas assinados por ela, a retrospectiva que começa nesta quinta-feira (28), na Cinemateca Brasileira, exibe cinco. O faltante, único que no IMDb está sem título brasileiro, é "Onna Bakari no Yoru", de 1961.

É o quinto que realizou e tem sua importância por repisar os passos de Mizoguchi em "Mulheres da Noite", de 1948, no qual Tanaka foi protagonista, e "Rua da Vergonha", de 1956, dois outros filmes sobre prostituição.

Não se engane o espectador achando que seu estilo lembre o de Mizoguchi. Se lembrasse o de alguém, seria mais o de Mikio Naruse, para quem Tanaka também atuou, notadamente em "Mamãe", de 1952. Mas a diretora tem uma assinatura forte e particular, que não deve nada aos mais conhecidos mestres.

A retrospectiva dura só até domingo, mas todos os filmes são imperdíveis. O melhor é o terceiro que ela dirigiu, "Para Sempre Mulher", de 1955. Este melodrama sublime toca numa questão central para as mulheres: o câncer de mama. Tem imagens incrivelmente corajosas para a época.

Produção da Nikkatsu, o filme estabelece a relação entre homem e mulher no Japão, para depois mostrar ao mesmo tempo a decadência física e o sucesso artístico da protagonista.

A diretora trabalha na chave do melodrama mais direto, sem muitas elipses, mas com um tato notável para filmar uma doente terminal, sua morte, os filhos que deixou e que representam a vida que continua.

Filme de despedidas, mostra o estágio máximo da maturidade de uma brilhante cineasta. A cena em que a protagonista se autoexamina e desconfia de algo errado em seu seio e os 15 minutos finais são de antologia.

Outro longa imperdível é "Carta de Amor", de 1953. Um primor de encenação, que surpreende também por ser sua estreia na direção. Um homem perturbado consegue um trabalho inusitado alguns anos depois da Segunda Guerra Mundial: escrever cartas de amor para outras pessoas.

Impressiona também a excelência na direção de seu último longa, "Senhorita Ogin", de 1962. Na trama deste belíssimo melodrama, vamos até o Japão feudal observar o amor proibido entre dois jovens num momento em que se intensificava a perseguição aos cristãos.

Com imensos movimentos de câmera, numa mise en scène exuberante, grandiosa, que ajuda a dar conta da produção em maior escala em relação a maior parte de seus trabalhos, é um estupendo último filme e o momento em que ela mais se aproximou, formalmente, de Mizoguchi.

O primeiro, o terceiro e o sexto. Três obras que comprovam o enorme talento da cineasta. Mas uma grande autoria se mede também pelos trabalhos menos destacados. Nesse sentido, notamos ainda uma grande força nos outros dois filmes assinados por ela na retrospectiva, o segundo e o quarto que realizou.

"A Lua Ascendeu", de 1955, é seu segundo longa. Trata-se de um roteiro de Ozu que Tanaka transforma pela delicadeza de seu olhar, mantendo, ao mesmo tempo, algumas características marcantes do diretor de "Pai e Filha".

E temos, neste filme, justamente um pai e suas três filhas. Tema caro a Ozu: a família japonesa em processo de dissolução. Ainda assim, a sensibilidade da diretora faz toda a diferença.

Se não tem a força de "Carta de Amor" ou a excelência formal de "Para Sempre Mulher", "A Lua Ascendeu" ainda assim ajuda a entender por que Mizoguchi se sentiu enciumado com o novo caminho de sua atriz preferida.

Um hiato de cinco anos separa o terceiro longa, "Para Sempre Mulher", do quarto, "A Princesa Errante", de 1960. Muito mudou. No lugar do preto e branco, as cores deslumbrantes do cinema japonês. No lugar do formato clássico, a horizontalidade do scope.

A grande atriz Machiko Kyo, de "Rua da Vergonha", interpreta Hiro Aiishinkakura, uma nobre escritora forçada a se casar com o irmão de um imperador. A própria Hiro auxiliou no roteiro e serviu de conselheira para a produção.

Completa a retrospectiva uma homenagem à atriz Kinuyo Tanaka, em um de seus papéis mais marcantes: como a mãe sofredora de "O Intendente Sansho", 1954, de Kenji Mizoguchi. É o filme mais conhecido da retrospectiva, e ilustra bem a posição de destaque que a atriz e diretora ocupa na história do cinema japonês.

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