Análise: Com Beyoncé e Anitta, música pop é vencedora da ginástica em Paris

há 4 meses 46

Assim que cravou seu último salto em Paris e sagrou-se campeã olímpica da ginástica, Rebeca Andrade também alavancou o funk de Anitta ao pódio. Simone Biles, em segundo lugar, deu a prata a Taylor Swift. Já a americana Jordan Chiles fechou com bronze e Beyoncé.

Pela primeira vez na história dos Jogos Olímpicos, somente músicas de artistas pop serviram de trilha para as três medalhistas da competição mais celebrada da ginástica artística. O fato ajuda a entender a competição hoje e também reforça a predominância do hip-hop como matéria-prima do pop global.

A campeã Rebeca Andrade recorreu a Beyoncé em "End of Time", com sua caixaria típica das bandas de universidades negras americanas, e ao "Movimento da Sanfoninha", de Anitta. A música, no caso, faz aceno ao acordeão francês, ao passo que resgata as montagens, formas musicais de grande destaque rítmico e muito comuns entre DJs de funk do Rio nos anos 1990 —uma época em que funk e rap se confundiam até no nome.

Biles se apresentou ao som de "Ready For It?", de Taylor Swift, que rasgou elogios à atleta nas redes sociais e à sua reapropriação do crescendo que marca a abertura da canção. Chiles fez seu número com um medley de Beyoncé, que foi da potente "My House" até o clássico dos anos 2000 "Lose My Breath". Todas essas músicas se apoiam no hip-hop enquanto recurso estético, uma dinâmica incontornável do showbiz hoje.

Jovens, essas atletas ouvem hip-hop durante os treinos, no caminho para casa, fazendo algum vídeo para o TikTok, seja como batidas concentradas no rap ou diluídas entre popstars. Taylor Swift não é rapper, mas a canção que abre a rotina da supercampeã americana é um tento seu a ecoar o peso e a rebeldia inerentes ao hip-hop —até mesmo no título, "Pronto Para Isso?".

Longe do ideal contemplativo da música de câmara, esse pop de Rebeca, Biles e Chiles já quebra um paradigma na saída. Não é uma revolução. Está mais para uma reforma, um processo que vem crescendo nas últimas décadas, com a ascensão de atletas que distam da figura europeizada de um esporte que, na sua origem, premiava bailarinas e recorreu à música para manter-se "feminino".

A questão no solo, porém, também é de batida —e nesse sentido o hip hop é imbatível. Sem a voz, sua bateria vira um protagonista, sempre marcado e com grande variedade de andamento, com contrastes de timbre e acentuação. Esse conjunto parece andar em sintonia com passadas firmes, voos longos e saltos poderosos. Com seu destaque rítmico, gêneros como o rap e o funk caem como um collant para as atletas.

No caso de nível olímpico, a música pode ser o detalhe que falta entre um ouro e uma prata. Um estudo da Faculdade de Ciência do Esporte de Leipzig publicado em 2022 mostra que jurados da ginástica são influenciados pela música enquanto o atleta desempenha sua performance no solo.

Na pesquisa, um júri de 44 pessoas formado por especialistas e pessoas comuns analisou performances de ginastas com e sem música. A análise que contou com trilha sonora resultou em pontos maiores quando ginastas se apresentam em sincronia com a melodia e o andamento da canção —as batidas por minuto, ou BPM.

"É possível concluir que se o BPM da música encaixa com a velocidade de movimentos complexos, a nota de execução será maior", afirma o estudo. "Em consequência disso, é benéfico para os ginastas escolher a trilha com cuidado e prestar atenção a cada corte na música".

Um estudo publicado pelo Journal of Sport Sciences em 2020 reforça a influência do som na ginástica também entre os atletas. Na análise, cerca de 80 jovens aprenderam uma série de movimentos de solo —metade sem música, metade com música. A avaliação final mostrou que o grupo de alunos acompanhados por música desempenhava melhor os gestos.

Para o Comitê Olímpico Internacional, a escolha musical do trio vitorioso em Paris não poderia soar melhor. Há alguns anos a organização vem tentando rejuvenescer seu público.

A entrada de breaking e skate nos jogos é uma jogada do COI para enfiar uma instituição centenária nas telas de celulares de jovens no mundo todo. Ter Beyoncé e Taylor Swift embalando finalistas na ginástica é um prato cheio para as redes sociais.

A romena Nadia Comaneci —cuja grandeza no esporte a transformou na primeira popstar da ginástica— dançou ao som de um arranjo do animado calypso "Jump in the Line", de Harry Bellafonte, quando conquistou seu primeiro ouro olímpico, aos 14 anos, em 1976. A gravação que ganhou o mundo pela TV, porém, foi sonorizada com "Cotton's Dream", uma peça de piano dramática, melancólica.

Esse é um problema que Rebeca Andrade não terá. A atleta brasileira entrou para a história dando baile com sanfoninha. Todo mundo viu e ouviu.

Leia o artigo completo