Lá vem ele outra vez. O mais prolífico dos grandes cineastas em atividade, o sul-coreano Hong Sang-soo, tem um novo longa-metragem em cartaz, "As Aventuras de uma Francesa na Coreia". Novamente, faz um filme formidável.
Parte do público não vai compartilhar da habitual empolgação crítica. Afinal, quase nada acontece em um filme de Sang-soo e, mesmo quando ocorre, o cineasta nunca se empenha em esclarecer muito o que se passa.
O sul-coreano não se interessa em apresentar uma história fechada, impositiva em significados. É um cineasta do incerto, do duvidoso, e que vê justamente na imprecisão do que é humano o encanto da vida, sobretudo nas pequenas coisas, por mais irrelevantes que pareçam.
A Hollywood clássica nos doutrinou a esperar sempre emoções intensas e trajetórias heroicas em filmes, mas a verdade é que o cinema já nasceu dando piscadelas para a banalidade. Afinal, os primeiros registros dos irmãos Lumière retratavam nada menos do que fatos cotidianos.
Outras filmografias teriam também um olhar atento à rotina, como a de Yasujiro Ozu, ainda antes de o Ocidente descobrir a produção nipônica. Mas foi com o neorrealismo italiano, nos anos 1940, que o dia a dia do homem comum ganharia propulsão. Ali, qualquer vida era digna de ser contada. Com o fim da Segunda Guerra, quando a Europa voltou aos eixos, surgiu na população um senso de redescoberta da própria rotina e de nela perceber a matéria viva do que é de fato a existência; a normalidade era o "novo normal".
Esse zeitgeist recebia respaldo de certa intelectualidade marxista, apegada à noção de materialidade das coisas, como o francês Henri Lefebvre, pioneiro em destacar o cotidiano como um importante ponto de onde partir para compreender amplamente o mundo social, inclusive as forças de dominação.
No cinema, o roteirista neorrealista Cesare Zavattini bradava que seu ideal era um filme que mostrasse 90 minutos consecutivos da vida de alguém, em que cada fotograma não seria só a ponte para o seguinte, mas que "vibraria em si mesmo como um microcosmo".
Esses ideais seriam de certo modo absorvidos por cineastas de locais e vertentes distintos, nas provocações de um Andy Warhol ou no minimalismo de uma Chantal Akerman. Aliás, seu "Jeanne Dielman", de 1975, rompeu uma barreira e tanto ao ser eleito, em 2022, o melhor filme da história pela revista Sight and Sound. Ao mostrar a dona de casa que fatura uns trocados como prostituta, a câmera não se furta a perder longos minutos a filmá-la meramente escovando os cabelos ou descascando batatas.
Ainda que a recente louvação ao filme mostre sobretudo um esforço contemporâneo de exaltação ao feminino, é relevante pensar em uma nova sensibilidade diante de um cinema em que a ação quase inexiste. Mesmo no Brasil, se um longa com um fiapo de história como o esplêndido "O Dia que Te Conheci", de André Novais Oliveira, foi tão aclamado em 2024, é porque hoje há uma compreensão maior sobre o quanto a simplicidade pode ser complexa.
Isso talvez explique por que Sang-soo, apesar de nulo para tantos, tenha fãs tão exaltados. Seu cinema é poético, apesar da falta de rebuscamento. Evita movimentos de câmera e usa zooms só de modo estratégico. Quando filma em preto e branco, sem justificativa, seus filmes parecem antes cinzentos, meio desvanecidos, sem se obrigar a ser belos.
Mas há beleza em Sang-soo, e ela está sobretudo na falta de afetação, na interação entre os personagens, nos comportamentos de cada um durante os encontros, com seu gestual e suas inflexões. A excelência do elenco é essencial. Em "As Aventuras de uma Francesa", novamente a banalidade da vida dá o tom, mas há pequenos momentos mágicos, quase extraordinários, nessa expressão do cotidiano.
Isabelle Huppert vive uma professora de francês em Seul que improvisa um método de ensino sem estudo prévio sobre sua eficácia. Ganha a vida assim, quando não está perambulando em parques da cidade. O espectador fica diante de uma total imprecisão sobre quem é essa mulher e suas reais intenções. Ela mesma, será que sabe?
Quando a francesa encontra o amigo que a hospeda em Seul, a mãe do garoto tenta descobrir o que o rapaz sabe dela. Não chegam a nenhuma conclusão. Nem o espectador. Assim como jamais entenderemos certas pessoas que passam por nossas vidas.
É um filme sobre a ausência de certezas que temos sobre tudo, mas também sobre uma possível postura diante dessa ignorância humana quase que completa: de não perder muito tempo com isso, seguir o fluxo da existência, enquanto pessoas diferentes, imprecisas, vagamente misteriosas surgem e somem dela. Talvez seja essa a grande moral de Sang-soo.
Mas desta vez há algo além em seu filme. A protagonista tem um dom especial, de detectar o não dito na fala de seus interlocutores. Nota a insegurança de uma aluna jovem e a frustração de outra mais velha por não ter deixado uma marca no mundo e "não ter vivido na glória", como ela diz. São inusitadas as implicações do uso de sua técnica educativa. Pode ser uma docente discutível, mas é uma notável decifradora de almas.
Se ela entende tão bem as personagens, pode ser só porque é uma forasteira, com distanciamento para detectar as máscaras sociais sul-coreanas. Ou talvez o que ela diz seja só resultado dos goles de vinho de arroz que ela tanto dá ao longo do filme. Mas não importa. O fato é que Huppert traz sempre um elemento exógeno —e cômico— ao universo de Sang-soo, sugerindo quase uma entidade sobrenatural, mas que a ele se adapta à perfeição. É uma das grandes parcerias do cinema recente.
Apesar de alguns aspectos bem peculiares, é mais um filme de Sang-soo que se parece muito, em essência, com os anteriores. Seus detratores usariam isso contra ele, dizendo que faz sempre o mesmo filme. Talvez eles tenham razão. Mas ocorre ali algo como diz o poema lido por Huppert para uma desconhecida, sobre um homem que todos os dias faz o mesmo trajeto, mas que é sempre diferente, por detalhes como flores que brotam ou pássaros distintos que surgem —ideia que sintetiza a extensa e magnífica obra de Hong Sang-soo.