Atividade econômica muito melhor do que o esperado. Inflação de núcleos subindo. Governo com controle frouxo sobre finanças públicas. Esta é a América.
Mas a grande economia americana que estou descrevendo é o Brasil, onde as taxas de juros pararam de cair em setembro e o Banco Central as elevou de 10,5% para 10,75% em 18 de setembro.
Nos últimos anos, o Brasil tem sido como um canário na mina de carvão para os EUA, destacando riscos e tendências na política monetária cerca de um ano antes. O Banco Central tem sido, sem dúvida, menos atrasado do que o Federal Reserve. A questão é se o Brasil está novamente apontando para futuros problemas inflacionários nos EUA, depois que o BC começou a aumentar as taxas de juros em setembro.
Quando aumentou as taxas em 0,25 ponto no mês passado, a autoridade monetária brasileira observou uma atividade econômica mais forte do que o esperado, inflação persistentemente acima da meta, expectativas de inflação em alta e percepções do mercado financeiro de que o governo estava um pouco relaxado com seu orçamento. Quanto os EUA têm a aprender com a recente virada no ciclo de taxas de juros do Brasil?
Semelhanças
Não é preciso procurar muito para ver muitas semelhanças entre as tendências econômicas domésticas dos EUA e do Brasil. Ao contrário da Europa, China ou Japão, ambos os países tiveram aumentos acentuados nas previsões de crescimento para 2024, após dados econômicos mostrarem que a cautela inicial poderia ser descartada.
No Brasil, o BC espera que o consumo das famílias e do governo contribua mais para o crescimento este ano do que no início do verão. Um crescimento mais forte atrairá mais importações. O consumo nos EUA, tanto das famílias quanto do governo, tem sido igualmente forte.
Esses aumentos nas previsões de crescimento colocam a economia brasileira em uma posição onde o BC acredita que há um pouco de demanda excessiva. A entidade produziu o gráfico abaixo em seu último relatório de inflação. O Federal Reserve não produz um gráfico semelhante, mas se compararmos o PIB dos EUA com a suposição de crescimento sustentável de longo prazo do Fed pré-Covid, também é possível observar um nível semelhante de demanda excessiva.
Tanto o governo brasileiro quanto o americano são frequentemente acusados de política fiscal frouxa. Isso é algo sensível para os diretores da autoridade monetária no Brasil, com o BC fazendo referências indiretas à necessidade de maior disciplina orçamentária nas últimas atas do comitê monetário; não há referência a isso no Fed. As últimas projeções de déficit fiscal do FMI mostraram um déficit do governo geral de 6,5% em 2024 tanto para o Brasil quanto para os EUA e um déficit primário muito maior nos EUA. Claramente, há maior escrutínio e foco do mercado financeiro no déficit no Brasil do que nos EUA.
As semelhanças mostram forte atividade econômica em ambos países, o que, em algumas medidas, mostra demanda excessiva e pressão inflacionária crescente.
Diferenças
Apenas apresentar algumas características econômicas semelhantes não faz uma análise convincente. Brasil e EUA são economias fundamentalmente diferentes e comparações simples são ingênuas.
No momento, os dois bancos centrais relevantes veem suas economias de maneira bastante diferente. Enquanto o BC vê demanda excessiva, o Fed aceitou amplamente o desempenho mais forte do que o esperado da economia dos EUA como um impulso de produtividade e não inflacionário. Isso vem da avaliação do Fed sobre o mercado de trabalho dos EUA, que ele não vê mais como mais apertado do que o normal.
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Os EUA também não enfrentam nenhuma pressão do mercado financeiro para apertar a política monetária, com os mercados alinhados com as projeções de taxa de juros do Fed de sua reunião de setembro, mostrando quatro cortes de um quarto de ponto no total em 2024 e 2025.
As tendências dos núcleos de inflação têm sido semelhantes, com a taxa permanecendo rígida em ambos os países e subindo nos últimos dados, mas o Fed acha que isso é apenas um soluço, enquanto o BC está mais nervoso. As expectativas de inflação nos EUA também são benignas, enquanto têm aumentado no Brasil.
Comparar as duas economias é útil, no entanto, já que o Brasil está claramente à frente dos EUA em seu ciclo econômico. Embora não haja uma leitura direta, isso deve servir como um lembrete de como as coisas mudam rapidamente.
Em maio, o debate no Brasil era sobre quão rapidamente cortar as taxas. Quatro meses depois, o BC foi unânime em sua votação para aumentá-las.
Um canário político
Não é apenas na política que o Brasil tem alguns paralelos interessantes para traçar com os EUA: a relação entre a política e o Banco Central oferece algumas dicas para as consequências da eleição nos EUA e um segundo mandato de Donald Trump.
Desde que foi reeleito presidente em outubro de 2022, com uma diferença mínima de votos, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem estado regularmente em desacordo com o BC, pressionando-o a cortar as taxas. Ele gradualmente mudou a composição do comitê de política monetária com novas nomeações e criticou regularmente o BC por sua relutância em cortar as taxas.
Isso chegou ao auge na primavera. Na reunião de maio, todos os quatro membros do comitê monetário do BC nomeados por Lula votaram por um corte maior nas taxas do que os cinco membros nomeados por seu antecessor, Jair Bolsonaro (PL). Acusando o atual presidente do BC viés político contra Lula, o PT entrou com uma ação judicial, solicitando que Roberto Campos Neto fosse proibido de fazer declarações políticas.
No verão, Lula nomeou um aliado político e ex-secretário do Ministério da Fazenda Gabriel Galípolo como o próximo presidente do banco central. Galípolo já estava no comitê monetário.
Ele foi confirmado pelo Senado brasileiro na semana passada. O que foi notável foi a transformação de Galípolo que ocorreu uma vez que ele estava prestes a assumir de Campos Neto. Galípolo de repente se tornou mais hawkish (algo como agressivo, em inglês), dizendo durante que faria o que fosse necessário para combater a inflação. Lula também parou de criticar as altas taxas de juros.
A votação para aumentar as taxas em setembro foi unânime, com Lula dizendo que, se Galípolo achava que uma política monetária mais apertada era necessária, provavelmente era.
A lição otimista para os EUA é que os líderes gostam de ter suas pessoas no comando das instituições e param de interferir uma vez que isso acontece.
Isso acontecerá com Trump?