Análise: Amor de Sean Baker pelo cinema ajudou 'Anora' a vencer prêmios do Oscar

há 4 horas 1

Não foi só Sean Baker que foi premiado na última noite de Oscar com "Anora". Ao dar sua principal estatueta ao filme, a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas celebrou, também, toda a comunidade cinematográfica, ao menos aquela "raiz".

Diante da crise mundial nas salas de cinema, a vitória de Baker em quatro categorias —melhor filme, direção, roteiro original e montagem—, é também uma escolha por laurear um tipo de cinema específico, aquele que nasce com pretensão de chegar às telonas, ativista ao resistir às lógicas comerciais da indústria.

"Anora", afinal, é uma produção verdadeiramente independente, pouco interessada no streaming e que já havia encantado também o Festival de Cannes, outro guardião da experiência cinematográfica, de onde saiu com a Palma de Ouro. Vence na sequência de "Oppenheimer", longa de grande orçamento e de um grande estúdio, seu oposto, mas igualmente celebrado por levar o público de volta às salas.

Tanto que o clímax deste Oscar não veio na revelação do vencedor de melhor filme, mas na de direção. Ao subir ao palco para receber a estatueta, Baker entregou um discurso fortemente aplaudido, que mais pareceu um chamado para a união da classe cinematográfica contra aqueles que declaram, equivocadamente, uma suposta morte do cinema.

"Num momento em que o mundo parece estar dividido, ir ao cinema é mais importante do que nunca. É uma experiência comunitária que não se tem em casa. Neste momento, a experiência de ir ao cinema está sob ameaça. Cineastas, continuem fazendo filmes para a telona. Distribuidores, por favor, se concentrem, antes de mais nada, no lançamento em salas de cinema", afirmou, depois de apoiar seu Oscar no chão, dando ainda mais dramaticidade ao momento.

"Pais, apresentem filmes aos seus filhos em salas de cinema, e assim vocês estarão moldando a próxima geração de amantes de cinema e de cineastas. E, para todos nós, quando pudermos, por favor, vamos assistir a filmes nas salas, vamos manter essa grande tradição viva e bem."

Mas não é só o apoio a um discurso corporativista que ajuda a entender a vitória de "Anora" em cinco categorias —melhor filme, direção, roteiro original, montagem e ainda melhor atriz, para Mikey Madison.

Pensando de forma mais pragmática, o longa provavelmente se beneficiou do sistema de votação da Academia, em que os membros inserem seus votos em ordem de preferência. Isto é, em vez de apenas eleger seu filme favorito, eles precisam elencar todos os indicados.

Isso prejudica longas que polarizam demais, como é o caso do campeão de indicações desta edição, "Emilia Pérez", que sofreu na mão dos votantes latino-americanos, e "O Brutalista", que agradou a uma ala mais conservadora, mas incomodou quem viu no filme de três horas e meia um delírio de grandeza.

Outros candidatos fortes eram "Conclave", que nas premiações que servem de termômetro parecia ter mais apoio europeu do que americano, e o próprio "Ainda Estou Aqui", que pode não ter sido levado a sério por uma ala relutante em abraçar produções estrangeiras nas categorias principais do Oscar.

"A Substância", "Wicked" e "Duna: Parte 2" encontram resistência por serem filmes de gênero, já "O Reformatório Nickel" se abre para a diversidade e desagrada uma parcela mais retrógrada. "Um Completo Desconhecido" era o único a seguir um padrão mais claro do que a Academia gosta, mas não há muito de especial nele.

"Anora", mesmo que tenha dividido opiniões, não rendeu grandes polêmicas ou despertou fortes aversões. Portanto, podemos supor que não foi puxado para baixo na maioria das listas de votantes. É um filme que agrada aos liberais da Academia, com sua visão não moralista sobre a prostituição, e também os tradicionalistas, com sua forma e o bom equilíbrio na dramédia.

Diretor de longas celebrados, como "Projeto Flórida" e "Red Rocket", Baker se tornou, assim, a primeira pessoa a vencer quatro estatuetas do Oscar por um mesmo filme. O feito, que nem Bong Joon Ho ou Francis Ford Coppola alcançaram, é fruto de uma tendência da Academia em premiar trabalhos mais artesanais.

Independente, "Anora" exigiu que seu diretor fizesse também as vezes de produtor, montador e roteirista. Baker não tem medo de pôr a mão na massa, e faz seus filmes não só apesar de, mas utilizando a seu favor as adversidades —"Tangerina" foi gravado em três iPhones, por exemplo.

As múltiplas vitórias também seguem a tendência da Academia de concentrar seus prêmios, pouco importando se o grande vitorioso era mesmo a melhor opção para uma categoria mais lateral ou até mesmo uma grande, como atriz.

Madison, aos 25 anos, além de se encaixar no perfil de "novinha", da jovem promessa que a Academia gosta de premiar na categoria, se beneficiou da força de "Anora", como fizeram outros atores em anos recentes, ao desbancar concorrentes com trabalhos muito mais memoráveis.

Foi assim com Michelle Yeoh, ao enfrentar Cate Blanchett, impulsionada pelo favoritismo de "Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo", e com Cillian Murphy no ano passado, numa vitória apenas oportuna, por "Oppenheimer".

A filmografia de Baker é fruto de amor pelo cinema, feita em tática de guerrilha. É uma comovente e conveniente trajetória para se premiar. Em meio às crises hollywoodianas de hoje, o cineasta lembrou que o Oscar é, acima de qualquer coisa, não uma celebração de méritos individuais, mas da experiência e do fazer cinematográfico.

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