A ação apresentada pela coligação do atual presidente e então candidato Lula (PT) no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) contra suposto "ecossistema de desinformação bolsonarista" completou mais de dois anos sem ter concluído nem sequer a fase de citação dos investigados, quando eles são oficialmente informados do processo e é aberto prazo para apresentação da defesa.
As pendências para encerrar essa fase inicial abrangem a identificação de quem é o responsável por um perfil no X (ex-Twitter) e a intimação de três alvos, não localizados até então. Uma das dificuldades é que há dezenas de alvos na ação —o PT chegou até mesmo a desistir de parte dos perfis anônimos no decorrer do caminho, mas ainda assim manteve quase 50 alvos.
Com diferentes argumentos, as defesas contestam as acusações. Várias delas apontam que as condutas de cada investigado não foram individualizadas e que as acusações são genéricas.
A ação mira, além do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), seu então vice de chapa, Walter Braga Netto, e três de seus filhos: o vereador Carlos (PL-RJ), o deputado federal Eduardo (PL-SP) e o senador Flávio (PL-RJ).
A defesa de Bolsonaro e Braga Netto argumenta que a ação não traz elementos mínimos de provas e que ela nem sequer descreve como os diferentes investigados teriam se integrado ao suposto grupo criminoso para formação de uma suposta rede articulada.
Entre os políticos, estão nomes como o do deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG), que agora está no centro de embate entre a oposição e o governo Lula, sob entendimento de que, com seu vídeo sobre as mudanças no Pix, ele teria impulsionado uma onda de fake news sobre o assunto.
"Diversos representados são citados em um único evento de forma cabalmente esparsada, não sendo possível sequer alçar a motivação de estarem listados [na ação]", afirmou sua defesa no processo.
São alvos ainda os deputados federais Alexandre Ramagem (PL-RJ), Bia Kicis (PL-DF), Gustavo Gayer (PL-GO), Carla Zambelli (PL-SP), Caroline de Toni (PL-SC), Ricardo Salles (Novo-SP) e Mario Frias (PL-RJ).
A tese dos autores é de que haveria um "ecossistema de desinformação bolsonarista" atuando para "usurpar temas do debate público", com conteúdos contra a candidatura do petista e em favor da candidatura de Bolsonaro, passando por temas como criminalidade, pauta de costumes, religião e contra a integridade do sistema eleitoral.
A coligação de Lula pediu que fossem aplicadas as penas previstas na lei para esse tipo de ação, o que inclui a pena de inelegibilidade e a cassação de mandato, aos investigados de modo geral.
Conforme a jurisprudência sobre competência, entretanto, com exceção da chapa presidencial [Bolsonaro e Braga Netto], que, caso tivesse sido eleita, estaria sujeita à cassação, os demais alvos estariam sujeitos apenas à pena de inelegibilidade. Isso porque, em tese, deputados e senadores só poderiam ser cassados em ações protocoladas nos tribunais regionais eleitorais.
FolhaJus
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Zambelli, Nikolas e Gayer também foram alvo de ações nos tribunais regionais relacionadas à desinformação apresentadas por candidatos do PSOL.
Em 2023, o processo de Zambellli no TRE-SP chegou a ser remetido para tramitar no TSE, após pedido da defesa da deputada alegando conexão entre os casos. Na sequência, porém, a corte superior remeteu o processo de volta à corte paulista, sob argumento da competência.
No mês passado, o TRE-SP formou maioria para cassar a deputada e, após pedido de vista, o julgamento foi suspenso.
Já a ação contra Gayer teve decisão unânime do TRE-GO contra a condenação em abril passado, mas houve apresentação de recurso ao TSE.
Nikolas, por sua vez, é alvo de duas ações tramitando em conjunto no TRE-MG. Além da apresentada pelo PSOL, a outra é da federação formada por PT, PC do B e PV, e que se arrasta à espera do do compartilhamento de provas.
Sempre a cargo de quem ocupa a cadeira de corregedor eleitoral, a ação no TSE já está em sua terceira relatoria, tendo sido redistribuída para Raul Araújo no fim de 2023 e, em outubro passado, para a ministra Isabel Gallotti.
Inicialmente, a ação no TSE contra o "ecossistema de desinformação" mirava quase 80 alvos, mas a coligação do PT desistiu de uma só vez de mais de 20 perfis no início da tramitação, depois de ter sido notificada pelo então relator, Benedito Gonçalves, para que tomasse as medidas que entendesse pertinentes para que todos os alvos fossem identificados.
Decidiu manter, no entanto, perfis que considerava de "expressiva relevância" para as práticas relatadas na ação, dos quais um segue sem identificação.
Segundo manifestação do PT de dezembro passado, as informações cadastrais fornecida pela Tim (com base em dados enviados pelo X) eram do titular daquele número de telefone desde janeiro de 2023 —data posterior às postagens indicadas na ação. E, por isso, pediu que fosse enviado novo ofício à rede social.
A coligação ainda solicitava que outros dois investigados fossem intimados em novos endereços e que fosse feita citação do comentarista Rodrigo Constantino por um email.
Integram ainda a lista de investigados influenciadores, donos de canais no YouTube e de sites. Foi nessa ação que o TSE deu decisão liminar (urgente) censurando que um documentário da produtora Brasil Paralelo fosse lançado antes da eleição e suspendendo temporariamente a monetização de três canais no YouTube.
A coligação de Lula ingressou ainda com um processo no TSE focado nos ataques ao sistema eleitoral e com rol de investigados mais restrito. Junto a Bolsonaro, constam como alvos seus filhos Eduardo e Flávio, além de Kicis, Zambelli, Nikolas, Gayer, o senador Magno Malta e Braga Netto.
Nessa ação, seguia pendente ainda a inclusão de provas cujo compartilhamento já tinha sido deferido em 2023.
Em nota à Folha em 19 de dezembro, a assessoria da Corregedoria da Justiça Eleitoral informou que foram enviados ofícios ao Senado e ao STF em junho de 2024 solicitando, respectivamente, cópias de depoimentos à CPI do 8 de janeiro e do inquérito das milícias digitais, mas que, até aquela data, não havia tido resposta.