A galáxia mais distante. A explosão mais brilhante. O planeta mais parecido com a Terra.
Já notou como as manchetes noticiosas sobre astronomia estão sempre recheadas de hipérboles e superlativos? Como se a astronomia só existisse para bater recordes…
Nossa meta não é competir em olimpíadas científicas. Nossa pesquisa não é uma corrida para descobrir o mais novo astro espetacular, mas um trabalho colaborativo para entender o funcionamento do universo.
Não digo que esses exemplos sejam desimportantes. Afinal, são os objetos mais extremos que testam os limites do nosso entendimento. Ao encontrar a maior estrela, estamos verificando nossos modelos para os casos em que a física atinge seu limiar.
Entretanto, esses casos não representam o que fazemos em nosso trabalho cotidiano. Mais: muitas vezes nem são o que transforma nosso conhecimento, ou seja, não são os trabalhos de maior impacto na área.
Muitos dos trabalhos de maior repercussão não são os que discutem a descoberta de uma estrela ou planeta, mas aqueles que estudam muitos objetos ao mesmo tempo. Milhares de planetas, milhões de galáxias: são esses resultados que nos permitem entender como o universo funciona. Assim como uma andorinha não faz verão, um astro não nos faz entender melhor seu comportamento. Apenas a partir da observação de um grupo grande podemos compreender a física que governa a maioria deles, e então discutir se o tal recordista é norma ou exceção.
No final, ambos os resultados são importantes, é claro. O problema é que uma abordagem sensacionalista de um resultado científico acaba enviesando a opinião pública sobre o trabalho de pesquisadores.
Muitos amigos me perguntam se já descobri uma galáxia, se posso batizá-la. Poucos entendem que meu trabalho não funciona assim. Sim, julgo já ter descoberto milhares de galáxias, mas elas podem ou não ter sido vistas por outros pesquisadores, dentre os bilhões de galáxias já observados por humanos. O que pretendo é examinar os dados para entender como essas galáxias funcionam, como elas nasceram e evoluíram com o tempo.
Mesmo ao observar uma explosão extraordinária, não estamos interessados em um número para sair nos jornais. Queremos entender o que pode ter gerado aquele fenômeno, e assim aprofundar nosso entendimento dos processos físicos de mortes estelares ou buracos negros.
Não somos navegadores do século 15 em busca de novas terras para seus imperadores. Estudamos —muito!— para transformar aquelas imagens, aqueles números, em física, em conhecimento. Queremos entender, com a ajuda de pequenas descobertas e de grandes telescópios, como o universo criou tudo o que vemos, desde o Big Bang até os dias atuais.
Pode parecer uma sutileza semântica, mas vai além disso. Uma educação científica apropriada e uma compreensão maior do trabalho de pesquisadores poderiam fazer com que nos vissem com outros olhos.
Não somos meros cães farejadores buscando a próxima presa. Somos pensadores com um treinamento aprofundado em física e matemática, refletindo sobre nosso lugar no cosmo. E se isso parecer demasiado abstrato, saiba que assim, e apenas assim, podemos compreender nosso lugar, e só então utilizar o universo e a natureza em nosso benefício.
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Thiago Gonçalves é astrônomo, diretor do Observatório do Valongo da Universidade Federal do Rio de Janeiro e divulgador de ciência.
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