A decisão do TRE-SP (Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo) de cassar o mandato da deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) nesta quinta-feira (30) se soma a outros precedentes da Justiça Eleitoral envolvendo condenação por desinformação contra as urnas e o Judiciário.
Como os recursos da deputada têm efeito suspensivo na aplicação das punições –que abrangem, além da cassação, a pena de inelegibilidade por oito anos a contar da eleição de 2022–, ela segue no cargo até que eles sejam julgados.
Assim, a decisão final sobre a manutenção ou não de seu mandato, deverá ser do TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Zambelli ainda pode tentar apresentar algum questionamento ao próprio tribunal paulista ou recorrer diretamente à corte superior. Procurada pela Folha, a defesa da deputada disse que a estratégia ainda será definida.
O precedente que inaugurou o entendimento da Justiça Eleitoral quanto à possibilidade de cassação por desinformação sobre a integridade das urnas ocorreu em 2021 e foi citado no voto de Encinas Manfré, relator da ação contra Zambelli e corregedor-regional eleitoral de São Paulo.
Naquele ano, o TSE cassou o então deputado estadual Fernando Francischini (à época no PSL-PR), que, no dia da eleição de 2018, tinha publicado um vídeo em que dizia que as urnas haviam sido fraudadas para impedir a votação no então candidato a presidente Jair Bolsonaro.
O entendimento na ocasião foi de que o ato configurava abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação social, mesma imputação dada agora a Zambelli.
De lá para cá, o próprio ex-presidente Bolsonaro acabou sendo condenado em uma ação do mesmo tipo referente às eleições de 2022 e com o mesmo enquadramento. Em 2023, a maioria dos ministros do TSE entendeu que sua conduta, em reunião com embaixadores com afirmações falsas sobre as urnas, configurava abuso de poder. No caso dele, no entanto, a pena foi apenas de inelegibilidade, dado que ele não tinha sido eleito.
Zambelli foi condenada por um placar de 5 votos a 2, com a maioria dos magistrados seguindo o entendimento de Manfré. Entre seus argumentos, ele afirmou que o alcance das redes sociais da deputada, com milhões de seguidores, foi "essencial para a disseminação massificada de conteúdos falsos ou gravemente descontextualizados".
FolhaJus
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Já Maria Cláudia Bedotti, que proferiu um dos dois votos contra a cassação, apontou que embora considerasse que as falas da parlamentar de fato ultrapassaram os limites da liberdade de expressão, elas não teriam sido suficientes para comprometer a lisura das eleições e a igualdade entre os candidatos.
Também no caso de Francischini, o único magistrado a apresentar voto divergente não deixou de destacar que a conduta do parlamentar era reprovável. Mas discordou que o ato fosse suficiente para justificar a cassação do mandato.
A defesa de Zambelli disse no processo que não houve ato ilícito na conduta e também que suas postagens estão amparadas na liberdade de expressão. Argumentou ainda que várias das postagens feitas em período pré-eleitoral seriam apenas compartilhamentos de conteúdos de outros veículos e que tampouco eram ilícitos ou inverídicos os conteúdos divulgados durante a campanha.
Fernando Neisser, que é advogado eleitoral e professor de direito eleitoral na FGV-SP avalia que a decisão segue o precedente do TSE sobre o caso Francischini e que é de se imaginar que o resultado seja mantido na corte superior, dado que não teria havido alguma mudança relevante de compreensão da corte sobre o tema.
"O TSE já assentou a compreensão de que a desinformação maciça contra o sistema de votação tem a finalidade de deslegitimar o processo eleitoral. Isso quebra a ideia de legitimidade e normalidade do processo eleitoral."
Ana Carolina Clève, advogada e presidente do conselho consultivo do Iprade (Instituto Paranaense de Direito Eleitoral), diz que o caso Francischini foi paradigmático porque demonstrou que a Justiça Eleitoral estaria sensível a um novo contexto de estratégia de disseminação de desinformação e também por ter demarcado uma nova postura do TSE, de intransigência com o ataque ao sistema eleitoral.
Professor em direito constitucional da USP (Universidade de São Paulo) e membro da Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político), Rubens Beçak avalia que a decisão do TRE-SP segue a linha que vem sendo adotada pelo TSE.
Sem se referir ao caso de Zambelli especificamente, mas ao contexto geral de decisões da Justiça Eleitoral, ele considera que há uma postura de tutela excessiva do eleitor, desconsiderando sua capacidade de discernimento, o que ele avalia como negativo por ter impacto na liberdade de expressão.
Também referentes a condutas nas eleições de 2022, seguem em tramitação do TSE duas ações apresentadas pela coligação do então candidato Lula (PT), envolvendo acusações sobre desinformação. Zambelli é um dos alvos, junto com outros políticos aliados de Bolsonaro.
Protocoladas em 2022, essas ações patinam na Justiça, com obstáculos para citar todos os alvos no caso da primeira, e na segunda, com o compartilhamento de provas de outras investigações.
As defesas contestam as acusações, várias delas apontam que não houve individualização das condutas e que as acusações são genéricas.
Assim como Zambelli, também os deputados Nikolas Ferreira (PL-MG) e Gustavo Gayer (PL-GO) tiveram ações contra si apresentadas nos seus respectivos estados.
O processo contra Gayer teve decisão unânime do TRE-GO contra a condenação em abril do ano passado, mas houve apresentação de recurso ao TSE. Nikolas, por sua vez, é alvo de duas ações tramitando em conjunto no TRE-MG, ainda pendentes de julgamento.