Onde estão todos esses leitores no resto do ano? A pergunta se ouvia nas rodas de livreiros diante do assombro com uma Bienal do Livro lotada, reunindo 722 mil pessoas ao longo de dez dias até o domingo passado —a cifra mais alta em uma década.
O clima era de comemoração com a subida íngreme no faturamento —a média diária dos expositores saltou 83% em relação a 2022, que já tinha sido um ano muito bom—, algo que contrasta com a situação geral do mercado.
Segundo a consultoria Nielsen, a receita do setor cresceu 7% nos primeiros seis meses de 2024 em relação ao mesmo período do ano anterior, mas muito disso é puxado por uma alta de 11% nos preços, já que a quantidade de livros vendidos caiu 4%. O atraso nas compras governamentais colabora para deixar toda a situação alarmante.
Será que as pessoas estão deixando para comprar livros só em eventos gigantes como a Bienal? Há outros fatores a considerar.
"Se antes o país tinha redes de livrarias com capilaridade, o cenário hoje é outro. Alguns livreiros estão investindo em expansão, mas isso leva tempo", lembra Mariana Bueno, coordenadora na Nielsen. Esse encontro fortuito com vitrines pela cidade favorece a compra espontânea.
"A venda na internet funciona mais para buscas ativas, não para conhecer lançamentos", afirma ela. "A classe C, que é compradora de livros e não está no centro das cidades, é parte da demanda que não está sendo atendida hoje."
Cassiano Elek Machado, diretor do grupo Record, diz que o crescimento aponta para uma transformação nos hábitos de consumo. "Embora ainda tenhamos excelentes livrarias, isso reflete a mudança do sistema Cultura-Saraiva-Fnac para o da Amazon. Um determinado público deixou de ter contato presencial, tête-à-tête, com o livro. Antes as pessoas iam de ônibus só para passear na Cultura da Paulista."
A Bienal vira agora essa oportunidade de ir com amigos e família ampliar o leque de leituras —segundo pesquisa feita pelo evento, 45% dos visitantes são de fora da capital, incluindo 7% que vêm de outros estados.
Assim, não é trivial que o evento mire cada vez mais o público jovem, que se organiza melhor em bando para ver seus ídolos. A programação é atenta a "fandoms", os ambientes são instagramáveis e os influenciadores, às vezes, viram o próprio chamariz.
"Não consigo parar de me surpreender com a força que o TikTok deu ao livro", reforça Machado. "E a cultura do 'booktok' é do livro físico, é uma relação de colecionismo."
Bruno Zolotar, diretor de marketing da Rocco, diz que hoje as editoras que crescem menos nas bienais são as que apostam menos nos jovens, justamente o futuro do leitorado —e que eventos assim provam que há demanda reprimida por livros.
"Hoje há bairros inteiros sem um único ponto de venda. Como pegar isso tudo e levar para a livraria da cidade?"
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