Cachorros não podem falar, contudo a linguagem corporal deles fala. Muitos vão se curvar quando querem brincar, por exemplo, ou lamber os lábios e desviar o olhar quando estão nervosos ou com medo.
Mas as pessoas nem sempre são boas em interpretar esses sinais —ou até mesmo notá-los, sugere um estudo publicado nesta segunda-feira (10).
Nesse trabalho, os pesquisadores apresentaram vídeos de um cachorro reagindo a estímulos positivos e negativos, incluindo uma coleira, um petisco, um aspirador de pó e uma repreensão.
Ao serem solicitados a avaliar as emoções do cachorro, os espectadores pareciam prestar mais atenção às pistas situacionais do que ao comportamento real do animal, mesmo quando os vídeos haviam sido editados para serem enganosos —em um vídeo, por exemplo, um cachorro parecia reagir à visão de sua coleira, mas, na verdade, tinha visto um aspirador de pó.
"Quando se trata de perceber as emoções dos cães, pensamos que sabemos o que está acontecendo, mas na verdade estamos inconscientemente confiando em muitos outros fatores", disse Holly Molinaro, estudante de doutorado na Universidade Estadual do Arizona e autora principal do artigo, publicado no periódico Anthrozoös.
Essa tendência poderia enganar os tutores sobre o bem-estar de seus cães, segundo Molinaro. Quem deseja estar atento às experiências e emoções de seus cães precisa "dedicar um segundo ou dois para realmente se concentrar no cão em vez de tudo o mais que está acontecendo", acrescentou ela.
A ideia para o estudo surgiu em 2021, quando ela estava começando seu trabalho de doutorado em emoções caninas, mas a pandemia de Covid-19 limitara sua capacidade de realizar pesquisas presenciais.
A pesquisadora se inspirou em estudos que exploram como pistas contextuais afetam as percepções das emoções das pessoas e, também, em uma tecnologia popular na era da pandemia: o Zoom, que dispõe de um recurso que desfoca o fundo da imagem durante videoconferências.
Molinaro e seu orientador, o especialista em comportamento canino Clive Wynne, começaram a se perguntar se poderiam criar vídeos que permitissem às pessoas ver o comportamento de um cachorro, mas não o que acontecia ao redor dele.
Enquanto visitava seus pais no estado americano de Connecticut, Molinaro começou a gravar vídeos do cachorro da família, Oliver, 14, interagindo com o pai dela. Em alguns dos vídeos, o pai fazia coisas que Oliver provavelmente responderia positivamente, como mostrar a coleira ou um brinquedo. Em outros, adotava ações que provavelmente resultariam em reações mais negativas, como repreender gentilmente Oliver ou apresentá-lo ao gato Saffron —"Ele não era fã", afirmou a pesquisadora.
Após um curso intensivo de edição de vídeo, Molinaro fez versões dos vídeos em que todo o contexto situacional era removido, deixando imagens de Oliver sozinho em um fundo preto.
Os pesquisadores pediram a centenas de universitários que assistissem ambos os conjuntos de vídeos e avaliassem o estado emocional de Oliver em cada um deles.
Quando avaliaram os vídeos originais, os participantes classificaram as emoções de Oliver como mais positivas nos cenários positivos do que nos negativos. Mas, quando o contexto foi removido, classificaram as emoções de Oliver como igualmente positivas em ambos os tipos de situações.
Então, os cientistas juntaram imagens de diferentes situações —por exemplo, com o pai de Molinaro apresentando um aspirador de pó ao lado de imagens da reação de Oliver ao ver sua coleira.
Os espectadores pareciam ser mais influenciados pelo contexto do que pelo comportamento de Oliver. Quando o pai de Molinaro era retratado fazendo algo encarado como positivo, os participantes julgavam as emoções de Oliver como positivas, mesmo que ele tivesse sido filmado reagindo a algo negativo.
"Não há evidências de que as pessoas realmente vejam o cachorro", disse Wynne. "Elas parecem ter uma espécie de ponto cego em torno do próprio cachorro."
O estudo tem limitações, incluindo o fato de que foi baseado no comportamento de apenas um cachorro. As pessoas também podem se sair melhor ao avaliar as emoções de seus próprios cães, segundo Wynne, e provavelmente teriam notado sinais de intenso terror ou trauma. (Os cientistas não submeteram Oliver a experiências extremamente negativas.)
Ainda assim, ele espera que o estudo seja um alerta para os tutores. "Estou levando isso a sério na minha própria vida", disse Wynne, que recentemente adotou um galgo aposentado das corridas.
"Estou transformando isso em um projeto para aprender como ela se expressa, porque, se eu souber o que a faz feliz e infeliz, então posso guiar sua vida em direção a uma maior felicidade."
Infelizmente, Oliver não viveu o suficiente para ver o estudo publicado. "Mas é positivo que ele seja lembrado nesta pesquisa", afirmou Molinaro.