Era um dia ensolarado de julho quando uma van com veteranos das Operações Especiais dos Estados Unidos (EUA) cruzou a fronteira para o México. O plano consistia em um período de 48 horas no qual tomariam um extrato psicodélico feito da casca de um arbusto da África Ocidental, cairiam em um vazio de alucinações sombrias e, então, alterariam ainda mais a consciência ao fumar o veneno extraído de um sapo do deserto.
O objetivo era encontrar o que eles não conseguiam obter em nenhum outro lugar: alívio do transtorno do estresse pós-traumático (TEPT) e de sintomas de lesão cerebral traumática. "Parece uma medida extrema. Mas tentei de tudo e nada funcionou", afirma um boina verde aposentado do exército chamado Jason, que, como outros que estavam na van, pediu que seu nome completo não fosse publicado por causa do preconceito associado ao uso de psicodélicos.
Depois de viver uma longa carreira de combates, exposta a explosões e armas, Jason luta contra a depressão, a raiva, a memória desgastada e a concentração confusa. Estava à beira do divórcio e confessou que, recentemente, chegou a apontar uma arma para a cabeça. "Não sei se isso vai funcionar, mas, a esta altura, não tenho nada a perder", diz ele sobre o tratamento psicodélico.
Viagens de terapia psicodélica como essa estão ficando cada vez mais comuns entre os veteranos militares. Durante anos, as clínicas psicodélicas no México foram o último recurso, até então pouco conhecido, para tratar pessoas que sofriam de toxicodependência. Mais recentemente, os veteranos descobriram que podiam obter nelas alívio duradouro para os problemas de saúde mental com os quais lutavam desde os tempos em que estavam em ação.
Ninguém sabe ao certo quantos veteranos atualmente buscam tratamento psicodélico no México. Os proprietários das clínicas estimam que atendem alguns milhares de veteranos americanos por ano e que o número vem crescendo. Embora muitos dos antigos soldados tenham acesso gratuito ao sistema de saúde dos veteranos, eles consideram os tratamentos padrão oferecidos nos EUA ineficazes para problemas de saúde mental relacionados ao combate.
O Departamento de Assuntos de Veteranos anunciou em dezembro do ano passado que, pela primeira vez em mais de 50 anos, financiaria pesquisas sobre terapia psicodélica. Mas, enquanto a pesquisa estiver sendo conduzida, esses tratamentos permanecerão inacessíveis para a maioria dos veteranos, talvez durante anos.
Sabe-se que também soldados da ativa estão fazendo viagens para fazer terapia psicodélica, mesmo correndo o risco de enfrentar a corte marcial se forem pegos.
A droga de escolha deles é a ibogaína, alcaloide derivado da casca da árvore iboga. É ilegal nos Estados Unidos e tem a reputação de causar alucinações sombrias e angustiantes. Contudo, pesquisas feitas em animais mostraram que ela pode estimular a liberação de proteínas naturais no cérebro que reparam e reconfiguram redes neurais. Isso fez com que alguns pesquisadores considerassem que ela tem potencial para tratar a lesão cerebral traumática.
As clínicas psicodélicas normalmente administram a ibogaína em uma única dose. No dia seguinte, acrescentam o veneno do sapo do deserto de Sonora, chamado 5-MeO-DMT, poderoso psicodélico de curta ação que tende a dar ao usuário uma sensação avassaladora de conexão espiritual, motivo pelo qual ganhou o apelido de "molécula de Deus". Na maioria dos casos, o paciente usa cada droga apenas uma vez e participa de sessões de psicoterapia antes e depois de ingerir a droga.
Os Navy Seals (forças especiais de combate da Marinha dos EUA, cuja sigla em inglês significa Sea, Air and Land –Ar, Mar e Terra), em particular, foram os que mais se envolveram com a ibogaína, muito provavelmente porque várias clínicas de ibogaína no México ficam a apenas alguns quilômetros de uma grande base Seal, no sul da Califórnia. A maioria dos militares aguarda sua saída da Marinha para iniciar esse tratamento, mas vários Seals revelaram que, a cada ano, mais combatentes na ativa fazem a viagem.
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"Quem pode culpá-los? Eles conversaram com psicólogos, tomaram remédios e ficaram frustrados. Querem se sentir melhor, e veem que isso está funcionando", argumenta um oficial de alta patente do Seal, que descreve o uso ilegal de psicodélicos como "generalizado" entre os Seals que estão se aproximando do fim da carreira.
O oficial pediu que não fosse identificado, já que essa é uma questão controversa que a liderança do Seal tem evitado reconhecer publicamente.
As Forças Especiais de Guerra Naval, o comando que os supervisiona, declararam estar cientes de que há Seals em serviço ativo que usam ibogaína para tratar lesões cerebrais. "Embora a pesquisa inicial mostre alguns resultados positivos, ela continua sendo uma substância da Tabela 1, o que faz com que seu uso seja considerado ilegal de acordo com a lei americana. A Marinha tem tolerância zero para abuso de drogas, e os Seals devem, em vez disso, buscar atendimento por meio dos canais médicos aprovados", afirma um porta-voz em uma declaração.
A ibogaína tem sido usada em cerimônias tradicionais na África há séculos. Ganhou atenção nos Estados Unidos na década de 1960 como uma terapia potencial contra a dependência.
Houve iniciativas, nas décadas de 1980 e 1990, para legalizar a ibogaína para tratamento de dependência nos Estados Unidos, mas elas fracassaram devido a preocupações com a segurança, porque a ibogaína pode causar uma arritmia cardíaca perigosa.
Centros de tratamento de dependência surgiram no Caribe e no México, já que não pode existir um local nos Estados Unidos que ofereça um atendimento legalizado.
O médico que dirige a clínica para onde a van de veteranos estava indo, Martín Polanco, contou que havia montado o local de atendimento para tratar a dependência de drogas perto de Tijuana, no México, em 2001.
Ele disse que o foco de sua prática mudou em 2016, quando tratou um Seal aposentado. Ele percebeu que a droga não só tinha acabado com seu desejo por heroína, mas também reduzira outros problemas como raiva, depressão e insônia que estavam associados ao TEPT (transtorno do estresse pós-traumático). A notícia se espalhou na comunidade Seal, e "agora quase toda a minha prática está voltada para tratar o pessoal de Operações Especiais", comenta Polanco.
Capone disse que tentara psicoterapia, medicamentos e quase tudo o mais que os sistemas de saúde militar e de veteranos tinham a oferecer, mas sem sucesso. Então outro veterano do Seal lhe falou da ibogaína.
Marcus Capone disse que regressou para casa depois do tratamento com capacidade de dormir, de se concentrar e de controlar suas emoções. Recuperou seu casamento, formou-se em administração e abriu uma empresa.
O casal fundou uma organização sem fins lucrativos chamada Veteranos que Exploram Soluções de Tratamentos para pagar a terapia com ibogaína para os veteranos. E há outras organizações sem fins lucrativos que fazem o mesmo.
A reputação da ibogaína se espalhou e foi além dos Seals, chegando a outras comunidades militares atingidas por lesões cerebrais, incluindo equipes de elite de lanchas da Marinha e pilotos de caça.
Em uma sexta-feira na clínica em Tijuana, era hora de ir para a van dos veteranos. Eles chegaram a uma casa de estuque branco onde Polanco promove os retiros. O pessoal da equipe médica introduziu um cateter intravenoso em cada homem. Como a ibogaína pode forçar o coração, os participantes recebem uma solução intravenosa de magnésio para regular seus batimentos cardíacos e, durante o processo, são monitorados por um cardiologista. Polanco informou que, até agora, não encontrou problemas cardíacos nos veteranos que tratou.
Ao pôr do sol, houve uma breve cerimônia, algumas palavras de orientação e então cada homem engoliu uma pílula.
Em um quarto comunitário, cada veterano se acomodou em um colchão. Velas e tapeçarias criavam um clima de dormitório hippie, mas também havia monitores cardíacos e suportes com fluido intravenoso ao lado de cada cama. Os homens colocaram protetor ocular e fones de ouvido e esperaram a droga fazer efeito.
Uma viagem de ibogaína não é conhecida por ser agradável. Tempo, espaço, luz e som se fragmentam, e a realidade abandona o usuário ao longo de horas que podem parecer eras. A droga também costuma deixar as pessoas fisicamente doentes.
Vários veteranos passaram algumas horas vomitando em tigelas colocadas perto dos colchões. Quando o vômito diminuiu, os homens ficaram quietos, parecendo dormir. "Nesse ponto, eles nem estão na própria consciência; estão apenas no universo. Alguns veem seus ancestrais e recebem perdão. Alguns sentem repetidamente que sua alma está sendo arrancada. Alguns não veem nada. Mas, não importa o que vejam, os benefícios bioquímicos para o cérebro são os mesmos", sussurra Mark Jackson, membro da equipe que cuidava dos homens.
Há pouco tempo, pesquisadores da Universidade Stanford monitoraram 30 veteranos que passaram pelo tratamento. O estudo, publicado em janeiro, descobriu que os sintomas de depressão e TEPT caíram abruptamente em quase 90% e permaneceram mais baixos um mês depois. A equipe também encontrou melhorias no desempenho cognitivo, incluindo a capacidade de aprender e lembrar.
Exames de ressonância magnética indicaram que, um mês depois do tratamento, algumas regiões do cérebro dos veteranos estavam mais espessas do que antes, informa Nolan Williams, professor associado de psiquiatria em Stanford, que liderou o estudo: "Estamos vendo mudanças físicas no cérebro. É algum tipo de fenômeno de reparo neurológico que você não encontra em nenhum outro tipo de terapia moderna conhecida ou com o uso de medicamentos."
Outro grupo de pesquisa na Universidade do Texas observou melhorias semelhantes na saúde mental. "A questão é: isso vai durar? Porque ainda não sabemos se os efeitos são duradouros", afirma Charles Nemeroff, codiretor do Centro de Pesquisa e Terapia Psicodélica da Escola de Medicina Dell, da Universidade do Texas.
Na clínica perto de Tijuana, os homens dormiram até tarde no sábado e desceram as escadas com as pernas bambas.
Em seguida, veio o veneno de sapo. Os homens fumaram um por um e depois caíram para trás em transe. O efeito psicodélico dura cerca de 15 minutos, mas muitos usuários experimentam um reino selvagem de expansão infinita da consciência. "Não foi uma visão –não vi nada, mas senti tudo", comenta um atirador depois da experiência. Tinha um olhar de espanto e lágrimas lhe escorriam pelo rosto. "Tive a sensação avassaladora de que estou bem." E então riu. Em seguida, conta que seus dez anos de terapia no Exército não o fizeram progredir muito e acrescenta: "Essa coisa aqui poderia ter economizado muito dinheiro para o Exército."
Dois meses depois, os mesmos homens foram novamente entrevistados e declararam que o retiro havia melhorado muito seu sono, seu humor, seus relacionamentos e sua perspectiva de vida.