No final do século 19, William Coley, um cirurgião em Nova York, fez uma observação surpreendente. Um de seus pacientes, à beira da morte com um tumor no pescoço, se recuperou após contrair uma infecção bacteriana grave na pele. Intrigado, ele tentou replicar a descoberta, injetando pacientes com um coquetel de bactérias mortas para fazer seus cânceres regredirem. Mais de mil pessoas foram tratadas dessa forma e muitos casos tiveram sucesso.
O raciocínio de Coley era que a infecção poderia desencadear o sistema imunológico para combater o câncer. Essa ideia, controversa durante sua vida, só se tornaria mais amplamente aceita pelos cientistas na década de 1950. Hoje, ela está impulsionando esforços para criar uma nova geração de terapias conhecidas como "vacinas contra o câncer", que visam treinar o sistema imunológico para reconhecer tumores e combater sua disseminação.
Ensaios estão agora em andamento para vacinas contra cânceres encontrados em diferentes partes do corpo, desde a pele e ovários até o cérebro e pulmões. Após meio século de becos sem saída decepcionantes, resultados promissores estão começando a surgir.
O câncer pode começar em quase qualquer célula do corpo. O sistema imunológico geralmente tenta impedir sua disseminação monitorando o corpo em busca de células anormais. Células brancas do sangue conhecidas como células T, por exemplo, atacam tumores reconhecendo proteínas estranhas conhecidas como antígenos não próprios em suas superfícies. As chamadas células assassinas naturais e macrófagos também podem identificar e destruir células cancerosas procurando pelas moléculas desconhecidas que elas carregam, ou após serem marcadas por anticorpos.
Se as células de um câncer evoluírem para escapar do sistema imunológico, no entanto, elas podem então crescer, replicar-se e se espalhar pelo corpo. Essa manobra de flanqueamento, no entanto, agora está oferecendo aos oncologistas novos alvos para seus medicamentos.
Quando os cientistas começaram a sequenciar o DNA de tumores, em 2008, descobriram que as células cancerosas continham centenas, senão milhares, de mutações que as distinguiam de suas vizinhas saudáveis. Algumas dessas mutações fazem com que as células cancerosas produzam proteínas anormais, conhecidas como neoantígenos, que podem soar o alarme do sistema imunológico.
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A ideia por trás de uma vacina contra o câncer, então, é introduzir esses neoantígenos diretamente no corpo, treinando assim o sistema imunológico para ver qualquer câncer que os carregue como um corpo estranho, pronto para eliminação.
Ensaios clínicos em andamento
Para fazer tal vacina, os cientistas primeiro precisam pegar uma amostra de um tumor, sequenciar seu genoma e encontrar todas as suas mutações genéticas. Essas informações são analisadas para prever quais neoantígenos provavelmente provocarão a resposta imunológica mais forte do corpo.
Uma vacina pode então ser criada para desencadear o sistema imunológico a criar anticorpos contra essas proteínas anormais específicas. Isso é feito introduzindo uma pequena porção de informação genética de curta duração, conhecida como RNA, que, uma vez injetada, instrui as células do corpo a fabricar os neoantígenos. A resposta imunológica resultante então, espera-se, irá direcionar o tumor original.
A teoria é sólida, mas criar uma vacina sob medida rapidamente o suficiente para ser útil é outra questão. "Não muitos anos atrás", diz Alan Melcher, um cientista clínico do Instituto de Pesquisa do Câncer em Londres, "eu teria dito, espere, isso nunca será tecnicamente possível."
O fato de isso agora ser possível em apenas seis semanas —embora a um custo— não é em pequena parte devido ao desenvolvimento acelerado de vacinas de mRNA (que carregam uma molécula de RNA mensageiro) durante a pandemia da Covid. As vacinas que foram usadas contra a covid fizeram o corpo construir uma das proteínas constituintes do SARS-CoV-2, que o sistema imunológico então usou para criar anticorpos. As vacinas contra o câncer fariam algo semelhante para as proteínas que os tumores produzem.
Alguns resultados iniciais promissores foram publicados. Uma vacina personalizada de mRNA contra o câncer de pele (melanoma) desenvolvida pela Moderna e Merck, duas empresas farmacêuticas americanas, conhecida como mRNA-4157 (V940), recentemente completou ensaios de fase 2 em pacientes que tiveram tumores avançados removidos cirurgicamente. Três anos após o tratamento, o risco de recorrência do câncer ou morte caiu quase pela metade. Esta é uma descoberta promissora para um ensaio de fase 2, mas uma resposta definitiva sobre a utilidade da vacina terá que esperar até que os resultados de ensaios em fases posteriores sejam conhecidos.
Muitos acreditam que tais vacinas poderiam ser mais eficazes em combinação com outras imunoterapias—que funcionam de várias maneiras para melhorar ou modular a resposta do sistema imunológico ao câncer.
"Estamos administrando muitas dessas vacinas contra o câncer com imunoterapia para tentar preparar o sistema imunológico", explica Sarah Danson, especialista em pesquisa de câncer em fase inicial no Instituto Nacional de Pesquisa em Saúde e Cuidados da Grã-Bretanha. De fato, o mRNA-4157 (V940) foi administrado juntamente com o padrão atual de tratamento, que inclui outra forma de imunoterapia, um medicamento conhecido como Keytruda (pembrolizumabe).
A Moderna e a Merck anunciaram em junho de 2024 que iniciaram novos estudos do mRNA-4157 (V940) em pacientes com câncer de pulmão de células não pequenas, carcinoma de células renais (um tipo de câncer de rim), carcinoma urotelial (um câncer do revestimento urinário) e câncer de células escamosas cutâneas (um tipo de câncer de pele) para testar sua eficácia contra diferentes tumores.
As empresas BioNtech e Genentech também estão avaliando conjuntamente vacinas personalizadas em uma variedade de cânceres. Já há uma dica nos dados de que sua vacina, conhecida como autogene cevumeran, pode reduzir o risco de câncer de pâncreas após a cirurgia.
Glioblastoma —o câncer cerebral mais comum, e para o qual não existem tratamentos úteis— também está sendo alvo. Em um trabalho de acadêmicos da Universidade da Flórida, uma vacina contra o câncer baseada em mRNA testada em apenas quatro pessoas produziu evidências de que a vacina desencadeou uma forte resposta imunológica ao tumor.
Testes em cães com tumores cerebrais também foram promissores: eles viveram uma média de 139 dias após o tratamento, em comparação com os mais típicos 30-60 dias esperados. Esses resultados em humanos e cães também sugerem que uma vacina personalizada pode desencadear uma resposta imunológica em um tumor "frio" —um que o sistema imunológico normalmente não reconhece ou combate.
A esperança é que as vacinas contra o câncer avancem a ponto de reduzir a necessidade de tratamentos mais invasivos, como quimioterapia ou cirurgia. Para Danson, é até possível que vacinas terapêuticas contra o câncer possam um dia ser usadas para prevenção —com vacinas contra neoantígenos comuns em diferentes cânceres sendo administradas àqueles com maior risco de desenvolvê-los. Em outubro de 2024, cientistas da Universidade de Oxford receberam financiamento para criar uma vacina preventiva contra o câncer de ovário que visa reconhecer e atacar os estágios iniciais desse câncer.
Não será tudo um mar de rosas. Vacinas personalizadas contra o câncer são complicadas e caras de fazer. Criar vacinas contra o câncer prontas para uso, como a vacina contra o câncer de ovário, poderia ajudar. Outro exemplo —um que está mais avançado— é o candidato a vacina de mRNA da BioNtech para câncer de pulmão de células não pequenas. Novamente, esta vacina apresenta ao sistema imunológico marcadores tumorais comuns encontrados em vários tipos de câncer. Este trabalho ainda está apenas em ensaios de segurança iniciais.
Questões científicas importantes também permanecem sem resposta. Por um lado, diz Elad Sharon, diretor clínico e translacional do Instituto de Câncer Dana-Farber em Boston, ainda não está claro por que o sistema imunológico ignora um neoantígeno se ele é produzido por um tumor, mas entra em ação quando é entregue por uma vacina. As empresas farmacêuticas também precisam avaliar rigorosamente suas técnicas de seleção de neoantígenos, para garantir que os melhores candidatos sejam escolhidos.