Usuário precisará ir à Justiça para remover post discriminatório após Meta afrouxar regras

há 16 horas 3

Caso um usuário de uma plataforma da Meta se sinta ofendido por uma publicação pejorativa contra pessoas LGBTQIA+ ou migrantes, por exemplo, ele precisará acionar os tribunais para remover o conteúdo. Desde a mudança nas diretrizes de conteúdo feita na terça-feira (7), a empresa deixou de excluir de forma proativa as publicações homofóbicas, transfóbicas e xenófobas.

No Brasil, as redes sociais só podem ser responsabilizadas por violações contidas em publicações caso desrespeitem ordem judicial, determina o artigo 19 do Marco Civil da Internet. Além disso, as empresas têm liberdade para definir as normas da comunidade. Os usuários descontentes com regras da Meta podem contestá-las apenas nos tribunais, afirmam especialistas.

A nova versão das Diretrizes da Comunidade, válidas para Facebook, Instagram e Threads, admite o uso de linguagem ofensiva no contexto de discussões sobre temas políticos ou religiosos, como direitos das pessoas trans, imigração ou homossexualidade. "Nós garantimos esse discurso quando a intenção do autor está clara", aponta o documento.

Na avaliação de advogados consultados pela Folha, a nova abordagem da empresa deve impulsionar o número de ações judiciais contra o conglomerado, já que conteúdos ilícitos à luz da legislação brasileira continuarão a circular.

Foi o que fez a deputada federal Duda Salabert (PDT-MG), que procurou a Justiça para contestar as mudanças nas normas da Meta. "Enviei também ofício ao ministro Alexandre de Moraes", escreveu no X. A Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais) também protocolou representação no Ministério Público Federal questionando as atualizações referentes à comunidade LGBTQIA+.

O Supremo Tribunal Federal reconheceu, em 2019, a discriminação pela identidade de gênero e a orientação sexual e a equiparou à lei de racismo até que o Congresso enfrente o tema. "Se um terceiro fizer alguma discriminação em relação à orientação sexual ou à identidade de gênero de um outro usuário estará cometendo crime", diz o advogado especialista em direito digital Felipe Monteiro, sócio do escritório Kasznar Leonardos.

Como o crime de discriminação precisa ter um alvo definido, essa decisão não restringe a liberdade da empresa de definir as próprias diretrizes da comunidade e políticas de moderação.

Para garantir adequação ao Ato de Serviços Digitais europeu (que regula as redes sociais), por exemplo, a Meta disponibiliza formulários aos usuários da União Europeia para pedir a remoção de conteúdos que violem leis locais contra discurso de ódio. A legislação europeia requer que as plataformas derrubem conteúdo nocivo, e pode responsabilizá-las caso o sistema de moderação seja pouco efetivo.

Folha Mercado

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No Brasil, os formulários não funcionam, e a Meta não menciona leis brasileiras em sua política. Segundo os termos de uso, os usuários locais ainda podem fazer denúncias, e a empresa as apreciará conforme as normas determinadas nas Diretrizes da Comunidade.

O artigo 19 do Marco Civil da Internet está sob análise do Supremo desde novembro. Os relatores Dias Toffoli e Luiz Fux votaram pela inconstitucionalidade do dispositivo e pediram responsabilidade das plataformas. O presidente da corte, Luís Roberto Barroso, abriu divergência, criando uma exceção em casos de violação de direitos autorais e imagens de nudez não consentidas. André Mendonça pediu vista e suspendeu a análise do caso.

A Meta criticou as propostas feitas pelos ministros e defendeu que se chegasse a uma "solução balanceada" e com "diretrizes claras".

"Nenhuma grande democracia no mundo jamais tentou implementar um regime de responsabilidade para plataformas digitais semelhante ao que foi sugerido até aqui no julgamento no STF", dizia o texto na ocasião.

Em vídeo divulgado na terça, o CEO da empresa, Mark Zuckerberg, disse: "Vamos trabalhar com o presidente Donald Trump para resistir a governos ao redor do mundo que estão perseguindo empresas americanas e pressionando por mais censura."

Para a advogada especialista em direito digital Patrícia Peck, a aplicação das normas do conglomerado no Brasil deve ser diferente da conduta adotada nos Estados Unidos porque as legislações de cada país são diferentes.

"A liberdade de expressão é uma garantia constitucional tanto nos EUA como no Brasil, mas a visão brasileira é de harmonizar com outros direitos fundamentais, como o da proteção da honra, imagem, reputação, privacidade, com responsabilização pelos excessos que possam causar danos", disse.

Além do Marco Civil, a aplicação das diretrizes da comunidade da Meta no Brasil têm de estar em conformidade com outras leis como o Código de Processo Civil (CPC), o Código de Defesa do Consumidor e a Lei Geral de Proteção de Dados e a Constituição.

O coordenador da Artigo 19 Brasil e América do Sul, André Boselli, diz que Zuckerberg não tratou em seu discurso a falta de transparência no processo de análise de denúncias e aplicação de punições dentro da plataforma. "Não fica claro se há devido processo [previsto no CPC]. Quem julga? Existe uma instância revisora? Como é a comunicação com o usuário?"

As novas diretrizes da comunidade da Meta também podem ser questionadas na Justiça por desrespeito à Constituição. "A exceção para ofensas à pessoas LGBT+ e migrantes obviamente não segue os princípios da dignidade humana e também as boas práticas do que a própria empresa vinha fazendo", diz Pinheiro.

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