A proposta do governo de instituir no Brasil o imposto mínimo global sobre multinacionais é vista como positiva por especialistas na área tributária. Eles apontam, no entanto, a necessidade de outras mudanças nas regras brasileiras para garantir uma tributação mais equânime entre grandes empresas nacionais e estrangeiras.
O governo publicou uma medida provisória que institui no Brasil a tributação mínima de 15% prevista no acordo fechado entre mais de 140 países no âmbito do GloBE (regras globais anti-erosão da base tributária, na sigla em inglês), da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), dentro do chamado Pilar 2, a partir de 2025.
A medida atinge um grupo restrito de grandes empresas que, se não pagarem esse mínimo no Brasil por meio de um adicional da CSLL (contribuição sobre o lucro), serão tributadas no exterior.
Renato Coelho, sócio do escritório Stocche Forbes Advogados, afirma que a regra de tributação de lucros no exterior de multinacionais brasileiras, a TBU (Tributação em Bases Universais), é atípica e está dissociada do modelo da OCDE, mas o governo optou por não resolver essa questão no momento.
"Embora o Brasil esteja simplesmente se alinhando com o padrão internacional, até para não começar a perder receita para outro país, [essa mudança] deveria conversar com outra regra de tributação internacional super distorcida que nós temos", afirma o advogado.
"Para o grupo multinacional que investe no Brasil, a regra do Pilar 2 garante que ele vai ter uma tributação mínima efetiva de 15%. A multinacional brasileira que investe no exterior está sujeita à regra de TBU e vai ser tributada a 34% indiscriminadamente."
Folha Mercado
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Gustavo Carmona, sócio líder de tributação internacional da EY, também afirma que a TBU precisaria ser modernizada, pois não há garantia de que a tributação feita sob essa regra seja reconhecida pelos demais países de forma a afastar o imposto mínimo em outras jurisdições.
Ele afirma que a regra americana (CFC) só alcança as rendas das filiais de suas empresas no exterior em algumas situações, como paraíso fiscal e ativos não produtivos, por exemplo, enquanto o Brasil faz a cobrança dos 34% sobre todo o lucro contábil.
"A TBU precisaria ser modernizada, ser uma regra CFC que, inclusive, esteja alinhada com as regras do GloBE [da OCDE] e, portanto, evite uma dupla tributação."
Em relatório sobre a medida provisória, o sócio da PwC Brasil Romero Tavares afirma que o Brasil já impõe uma sobrecarga sobre lucros auferidos no exterior por suas multinacionais, com uma regra fora do padrão OCDE, e agora sobrecarrega também seus lucros auferidos no Brasil com a nova tributação mínima, dentro das regras da mesma organização.
BENEFÍCIOS FISCAIS
Os especialistas destacam ainda a necessidade de ajuste em alguns benefícios fiscais regionais às regras internacionais, como os regimes nas áreas da Zona Franca de Manaus, Sudam (Amazônia) e Sudene (Nordeste).
Carmona, da EY, afirma que o imposto mínimo global tem como objetivo neutralizar planejamentos com objetivo de reduzir a tributação dessas multinacionais, mas sem anular incentivos locais focados na melhoria do ambiente econômico, especialmente na questão dos benefícios para investimentos em países em desenvolvimento.
Por isso, a MP traz uma regra que permite à empresa abater do lucro tributável pelo imposto mínimo o valor da sua folha de pagamento e de ativos tangíveis, duas formas de mostrar que há de fato investimentos no país.
A norma também prevê mudanças em alguns desses benefícios, que passariam de isenções para créditos a serem recuperados após o pagamento dos tributos, seguindo as regras da OCDE.
"Ainda que não tivesse o adicional da CSLL, o governo já deveria pensar em o que fazer com o Sudam, Sudene e vários outros benefícios, porque senão eles ficam neutralizados pela adoção do Pilar 2 lá fora", afirma Carmona.
Essa mudança, no entanto, prejudica empresas que têm sua tributação reduzida por esse incentivos para patamares acima dos 15% e que não são afetadas pela tributação mínima. Por isso, perdas e ganhos vão depender da situação específica de cada contribuinte.
"A grande discussão internacional e brasileira é como se determina uma alíquota efetiva", afirma Renato Coelho, do Stocche Forbes. "Podem existir diversos estímulos fiscais, como [a redução do Imposto de Renda para as áreas da] Sudam e Sudene, depreciação acelerada, amortização de ágio, dedutibilidade em dobro de determinadas despesas etc, que são políticas estratégicas do país e vão influenciar a alíquota efetiva, mas não com o objetivo trazer o investidor para um paraíso fiscal."