Trajetória de Coco Chanel, cheia de traumas e charme, é revista em documentário

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A profusão de livros, filmes e exposições sobre a trajetória pessoal e profissional de Coco Chanel atesta que ela ainda é uma personalidade que desperta o interesse. Ícone bastante pintado e fotografado, parece estar sempre escondendo alguma coisa. Jean Cocteau, por exemplo, a desenhava sem rosto.

O documentário "Chanel Unbuttoned", produzido e dirigido pela inglesa Hannah Berryman, tem, portanto, o desafio de apresentar uma Chanel desabotoada, sem impedimentos, ou desvelada.

Chanel nos seduz porque ela foi capaz de criar, mais do que uma moda, um estilo. Ela projetou sua imagem nas mulheres que a vestem. O público feminino queria não apenas vestir as roupas e os acessórios criados por Chanel, mas desejava se parecer com Coco Chanel, se vestir como ela.

Ao contrário da maioria dos criadores da alta-costura francesa, Chanel não teve medo da cópia. "Para mim, as cópias são uma marca do sucesso", ela afirmou. "O estilo Chanel está nas ruas. Estou muito feliz. Sempre foi meu objetivo."

A narrativa montada por Hannah Berryman, que costurou o discurso de mais de 20 pessoas entrevistadas, pretende exibir parte das entranhas desse "vulcão da Auvérnia", como Paul Morand, amigo e biógrafo de Chanel, a nomeou. A maioria das entrevistadas é mulher e muitas conheceram Chanel pessoalmente, foram suas amigas, modelos, assistente.

O filme aborda sua infância difícil, com a mãe morta precocemente e o abandono do pai, que a deixou num convento. Revela-se uma vida marcada por mortes trágicas e a força advinda de seus traumas é ressaltada como a força motriz de suas criações e sua história de sucesso.

Gabrielle Chanel, nome que recebeu ao nascer, sobreviveu graças a seu talento e seu charme, adotando, aos poucos, a aparência dos homens que dominavam as mulheres.

O documentário relaciona alguns símbolos da estética de Chanel —por exemplo, o uso da cor preta, as formas retas, o colar de pérolas— aos fatos marcantes de sua vida e a seus amantes.

Faltou, porém, dizer que nos anos que se seguiram à Primeira Guerra Mundial e no início da década de 1920, por conta da guerra e do luto, ocorreu uma alteração na maneira como as elites se relacionavam com o luxo, que se tornou mais discreto.

A estética do convento, a economia das formas e das cores, certa austeridade, vêm a calhar num momento que pedia constrição. É claro que suas criações foram influenciadas pelo luto doloroso que a fez pintar de preto as venezianas da casa quando morreu seu amante Arthur Boy Capel, em 1919. Mas sua tragédia pessoal coincide com o luto coletivo que aquela sociedade vivia.

Foi nesse contexto que parte da clientela da moda de luxo soube reconhecer a genialidade de suas criações, que alimentavam aquilo que seu grande rival Paul Poiret —o costureiro preferido de Tarsila do Amaral— chamou de misére de luxe, a miséria luxuosa.

Ao adotar trajes masculinos, como calças de montaria, sobretudos, chapéus discretos, ela tomou para si, na sua vida pessoal, a atitude que disseminou em suas criações de moda, inventando um estilo Chanel.

Faz parte desse estilo, que permeia nosso imaginário, a escadaria espelhada do prédio na Rua Cambon, retratada no filme. São emocionantes os vídeos de Chanel, em ação no trabalho ou nas entrevistas, quando podemos observar a personalidade que fala e se movimenta.

A simplicidade, o bom gosto, a liberdade que Gabrielle Chanel trouxe para suas criações estão presentes no seu próprio corpo, na maneira como ela, com mais de 70 anos, dá uma entrevista em seu apartamento.

Sempre fumando, diante de um grande espelho e uma estante repleta de livros, de pé entre a mesa de centro e o sofá, numa mão Chanel segura o cigarro, a outra está enfiada no bolso discreto da saia.

Um pouco curvada, num balanço levemente gingado, Chanel parece confortável ao dizer: "O mais difícil no meu trabalho é fazer as mulheres se movimentarem com facilidade. Que não se sintam fantasiadas. Que não mudem de atitude conforme a roupa que lhes impomos. E esse, creio eu, é o dom que possuo".

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