Os mais jovens veem o passado através das lentes cor de rosa da nostalgia. Não têm ideia do perrengue que o brasileiro passou na segunda crise do petróleo, iniciada em 1979. Em um espaço de meses, a gasolina dobrou de preço, fazendo com que muita gente trocasse o carro pelo ônibus. Meu pai foi um: deixou de fazer seus 150 km diários no Corcel amarelo e passou a usar transporte coletivo para ir ao trabalho. Em pouco tempo, também diríamos bye-bye às viagens de fim de semana a Búzios. O “milagre econômico”, que permitira comprar nosso primeiro zero-quilômetro em 1972, já havia desencantado naquele fim de governo militar.
Carrões de luxo com V8 e menos de dez anos de uso tornaram-se, subitamente, lixo. Era muito comum ver modelos como Galaxie ou Dodge Dart abandonados nas ruas. Os postos só podiam vender gasolina nos dias úteis e até às 20h. A cada anúncio de aumento do combustível, formavam-se filas bíblicas para abastecer. Eram constantes engarrafamentos, tumultos e bate-bocas até que, em um determinado momento, os reajustes passaram a ser anunciados tarde da noite — quando a maior parte da população já estava dormindo.
Foto de: Motor1.com
A inflação estava em disparada (e só seria controlada 15 anos depois, no Plano Real). Para situar o leitor, tomemos a tabela vigente em 16 de setembro de 1982: o litro da gasolina custava Cr$ 144 enquanto tanto o álcool quanto o diesel, subsidiados, saíam por Cr$ 84.
Assim, era com admiração — para não dizer, uma certa inveja — que os vizinhos viam a Veraneio do Miro passeando por Seropédica (RJ) por volta de 1984. Branca como a neve, aquela Veraneio 1976 fora adaptada com um motor Perkins 4.236, de quatro cilindros a diesel (no lugar de seu Chevrolet 261 original, de seis cilindros a gasolina). Em vez de fazer 6 km/l na estrada, a perua agora fazia uns 11 km/l queimando um combustível 41,6% mais barato.
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A legalização fora feita antes que as adaptações de motores a diesel em modelos de passeio fossem definitivamente proibidas. Tudo bem que o “Perkinho” aspirado rendia apenas 77 cv, era barulhento e vibrava um bocado se comparado ao Chevrolet 261, de 151 cv. Mesmo assim, pela economia que representava e o espaço que oferecia para viagens em família, aquela Veraneio era um sonho na década de 80.
Todas essas lembranças vieram à mente enquanto eu percorria a Via Dutra ao volante de uma Chevrolet Trailblazer tão branca quanto a Veraneio do Miro. Nesses 40 anos, muita coisa mudou. Para começar, o diesel S10 hoje custa tanto ou mais que a gasolina. Outra: os motores a diesel evoluíram demais, com enormes ganhos de potência e suavidade de funcionamento. Mas é com sentimento de nostalgia que vamos à estrada!
A atual geração da Trailblazer foi lançada lá fora em 2011 e chegou aqui em 2012. Em junho passado recebeu um bom pacote de atualizações estéticas e mecânicas — mas continua a ser um SUV grande (para os padrões brasileiros) de 12 anos atrás.
Na aparência, ganhou a mesma frente das S10 atuais, com estreitos faróis de LEDs. As linhas são mais retas e há mais vincos no capô. Também alargaram os para-lamas dianteiros e puseram novas rodas de 18”. Destoando da modernização, a traseira continua basicamente a mesma desde 2012... A novidade é que as lanternas passam a ser do tipo máscara negra.
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Única versão vendida hoje é a Trailblazer High Country (R$ 380 mil), que combina estilo off-road com algum luxo e muitos cromados. Achou caro? É o mesmo preço da Mitsubishi Pajero Sport HPE-S, enquanto a outra rival direta — a Toyota SW4 SRX Platinum de sete lugares — sai por R$ 390.590. As concorrentes têm ainda versões mais caras e mais baratas.
O preço é praticamente hipotético, já que 80% das Trailblazer fabricadas em São José dos Campos saem por vendas diretas, principalmente para frotas do governo (onde são usadas como viaturas da Polícia Federal, da Polícia Rodoviária Federal e mesmo das polícias militares de vários estados). Em emplacamentos, a rival Toyota dá de lavada. Somente em novembro foram 1.916 unidades da SW4, contra 278 Pajero Sport e somente 190 Trailblazer.
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A Trailblazer hoje só tem uma opção de motor: o quatro-em-linha Duramax 2.8 turbodiesel (da S10) que, após receber mais de 30 modificações mecânicas e eletrônicas, agora rende 207 cv e 52 kgfm (antes eram 200 cv e 51 kgfm). É o mais forte da categoria, já que na Pajero são 190 cv e 43,9 kgfm, e na SW4 são 204 cv e 50,9 kgfm.
Seu funcionamento suave é o maior destaque. Junte-se a isso um bom isolamento acústico da cabine e vamos viajar em silêncio por 390 quilômetros em um bate e volta Rio-Penedo-Porto Real-Rio. Na estrada, o Duramax é elástico. Nem é preciso acelerar muito para ganhar embalo e manter uma boa velocidade de cruzeiro — e olhe que estamos em um SUV pesadão, de 2.160 quilos.
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Muito desse mérito se deve a outra novidade na Trailblazer: o câmbio Hydra-Matic 8L80 fornecido pela GM do México. Essa caixa automática de oito marchas foi revisada e modernizada recentemente lá fora, onde equipa as picapes Chevrolet Silverado 1500 e Colorado. Sua adoção por aqui representa a maior evolução técnica na Trailblazer, que antes usava a (já muito boa) caixa GM 6L50, de seis velocidades. Agora, a 120 km/h de velocímetro, em 8ª marcha, ainda estamos em aproximadamente 1.900 rpm.
Seja avançando ou reduzindo, as trocas de marchas são suaves e quase imperceptíveis. Dá para comandar a caixa manualmente, usando a alavanca do seletor (é um GM… nada de aletas atrás do volante). Mas o câmbio é tão rápido e inteligente que você deixará em drive mesmo, sem sofrer ou sentir falta de paddle shift.
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Na sinuosa subida da Serra das Araras, bem como nas curvas mais abertas entre Piraí e Barra Mansa, vamos aproveitando outras recentes melhorias na Trailblazer: as bitolas foram alargadas, trocaram as molas e os amortecedores, modificaram a geometria da suspensão e a direção está mais direta, com novos pontos de fixação.
Como resultado, temos um comportamento controlado e previsível — em resumo, o “limite” subiu. A suspensão traseira continua a ser por eixo rígido, fixado por em cinco pontos e com uma barra Panhard para evitar movimentos laterais indesejáveis. As molas são helicoidais, garantindo suavidade de marcha.
Mas vale lembrar que estamos em um pesado utilitário com chassi separado da carroceria, calibrado para ser macio e filtrar bem as imperfeições do terreno (mesmo com largos pneus 265/60 R18). Você sentirá uma certa flutuação, especialmente no início da convivência.
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Ao contrário do que se poderia imaginar, não há excessos de assistência na direção (elétrica) nem nos freios (a disco nas quatro rodas). Tudo está no peso certo. Outra: o volante, enfim, ganhou ajuste de profundidade, facilitando encontrar uma boa posição de guiar.
Nas manobras em baixa velocidade, ficamos surpresos com o ótimo jogo de direção para um 4x4 com 4,88 m de comprimento. O diâmetro de giro da Trailblazer é menor que os da Rampage e Fiat Toro, por exemplo. Sensores de estacionamento tanto na dianteira quanto na traseira também facilitam a vida numa garagem apertada, Já a câmera de ré fica rapidamente suja, provavelmente pela posição em que foi instalada. E se a garagem tiver pé direito baixo, a antena — alta demais — irá agarrar nas vigas do teto. Podiam ter usado uma “tubarão”.
Iam dinamitar pedras na Dutra (para a construção da nova pista de descida na Serra das Araras) e tivemos que esperar por quase duas horas até a reabertura da estrada. Quer saber? O banco do motorista da Trailblazer é tão confortável que nem dá vontade de sair do carro. É um ponto importante para quem faz longas viagens.
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O acabamento tem imitação de couro nos bancos, no painel e no volante, faixas brilhantes com relevos em forma de losango no tablier e nas laterais de portas, além de outros detalhes que denotam algum capricho (o mínimo que se espera de um modelo de R$ 380 mil). Mas fica bem claro que não se trata de um carro de luxo, com materiais de primeira linha. Está mais para um 4x4 fácil de limpar após a utilização no campo. Para uso como viatura policial, então, é mais do que suficiente.
Com entre-eixos de 2,84 m (exatos 10 cm a mais que na Toyota SW4 e 4,5 cm a mais que na Pajero Sport), a Trailblazer tem excelente espaço na primeira e na segunda fileiras de bancos. A fileira do meio leva três adultos com folga.
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Para chegar à terceira fileira, contudo, será preciso fazer ginástica — especialmente se o passageiro já tiver passado dos 12 anos de idade. A última seção é bem claustrofóbica mesmo para quem tem 1,70 m: o cocuruto fica bem rente ao teto. Melhor seria se os bancos do meio tivessem um trilho de correr que permitisse ampliar um pouquinho o espaço lá atrás. É um recurso que está disponível na SW4.
A parte boa é que o sistema de alavancas para dobrar os bancos do meio e alcançar a terceira fileira é bem leve e fácil de usar. Mas tome muito cuidado para não machucar os pés das crianças (especialmente se estiverem com sandálias de dedo) ao baixar os assentos do meio de volta à posição normal.
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As saídas de ar-condicionado para a parte traseira da cabine ficam no teto (e não em um console) e são redondas, como nos aviões. Com sete passageiros a bordo, restam 205 litros de capacidade no porta-malas. Rebatendo-se os dois banquinhos lá de trás ao nível do assoalho, o espaço aumenta para 554 litros de bagagem.
Nesse SUV tão caro, sentimos falta de itens disponíveis em modelos mais em conta, como um botãozinho para fechamento automático da tampa traseira. Não há ar-condicionado em duas zonas, nem visão 360º. E bem podiam ter posto um cruise control adaptativo.
Além da dianteira, o que mais mudou na Trailblazer foi o painel, que é o mesmo da Spin atual. O quadro de instrumentos deixou de ser analógico, dando lugar a uma tela de 8" supercolorida e de alta definição, que vai geminada a uma central multimídia de 11”.
Visualmente, ficou moderninho. Sua leitura, porém, é péssima, com velocímetro e conta-giros apenas “aproximativos”. Pior: ou se vê o consumo no computador de bordo, ou se vê o conta-giros — não conseguimos ter as duas informações simultaneamente no quadro de instrumentos.
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Claro que é possível passar as informações de consumo para a tela central… Mas, aí, ou você vê o consumo ou o navegador. Quer saber a média de velocidade? Com alguma sorte, você encontrará, mas deixando de exibir alguma outra informação... Na prática, dá muita saudade do quadro de instrumentos anterior, com seus dois mostradores analógicos redondos de fácil leitura, e um computador de bordo simples de operar.
Ao fim de nossa viagem, o consumo médio foi de excelentes 12,1 km/l de diesel na estrada (acima dos 11,2 km/l informados na tabela do PBEV do Inmetro). Multiplicando pelos 76 litros do tanque, temos 919 km de autonomia! Com pé leve, dá para ir do Rio a Curitiba sem reabastecer e ainda sobra uma margem de segurança.
Fim de viagem, cansaço zero e vontade de pegar mais estrada... E sabe a Veraneio-Perkins do Miro? Passados 40 anos, ela ainda roda por Seropédica, com outro dono e pintada de verde. Será que a Trailblazer aguentará tantas décadas assim?
Chevrolet Trailblazer 2.8TD
Motor dianteiro, longitudinal, quatro cilindros, 16 válvulas, 2.776 cm3, comando duplo, turbo e injeção direta, diesel
Potência e torque 207 cv a 3.200 rpm; 52 kgfm a 2.000 rpm
Transmissão automática com 8 marchas, tração 4x4 com reduzida
Suspensão independente com braços sobrepostos na dianteira e eixo rígido com molas helicoidais na traseira; rodas de 18" com pneus 265/60
Comprimento e entre-eixos 4.871 mm; 2.845 mm
Largura 1.902 mm
Altura 1.860 mm
Peso 2.189 kg em ordem de marcha
Capacidades porta-malas: 554 litros (5 lugares), 205 litros (7 lugares); tanque: 76 litros
Preço como testado R$ 379.990
Aceleração 0 a 60 km/h: 4,0 s; 0 a 80 km/h: 6,3 s; 0 a 100 km/h: 9,2 s
Retomada 40 a 100 km/h (em D): 6,9 s; 80 a 120 km/h (em D): 6,7 s
Consumo de combustível cidade: 9,0 km/l; estrada: 13,0 km/l