O Kia Stonic branco da startup Awto estacionado na rua Georgia, no Brooklin Novo (zona sul de São Paulo), estava trancado, com a chave guardada dentro do porta-luvas. A algumas quadras dali, um Volkswagen Virtus da Turbi, também branco, aguardava pela retirada em uma garagem subterrânea na avenida Luís Carlos Berrini.
Cada uma das empresas concedeu um crédito de R$ 1.000 à reportagem da Folha para que seus serviços fossem avaliados. Ambas atuam na Grande São Paulo, com limitações geográficas indicadas em seus aplicativos.
As empresas não sabiam previamente quais eram os carros escolhidos. A rotina de uso foi definida pela necessidade: situações em que era mais prático usar o carro compartilhado do que se deslocar de transporte público, táxi ou Uber. Foi uma longa jornada, que teve início em abril de 2023.
Os testes começaram pela Turbi, com o Virtus. Os carros da empresa podem ser retirados e devolvidos em garagens parceiras, indicadas no aplicativo. O sedã da Volkswagen era o mais rodado da frota de 5.000 carros, marcando 44 mil quilômetros no hodômetro. Esse número aparecia no app.
Bastou reservar o veículo e destravá-lo pelo aplicativo. A chave fica sempre a bordo, no porta-luvas. O veículo estava sujo por fora, mas limpo por dentro. Havia arranhões e pequenos amassados, algo comum para um veículo de locação rotativa.
Cabe ao usuário reportar esses problemas. "Tanto na retirada quanto na devolução, o reporte de danos é feito pelo cliente, e as imagens enviadas são analisadas por uma solução de inteligência artificial desenvolvida pela Turbi, que identifica e classifica os danos", afirma Luiz Bonini, CRO (diretor de receitas) da Turbi.
"A partir desta classificação, cada veículo que apresenta algum tipo de avaria tem a manutenção programada para a realização dos reparos necessários."
O carro foi retirado na tarde do dia 24 de abril de 2023, uma segunda-feira. No dia seguinte, foi utilizado em uma viagem até Iracemápolis (interior de São Paulo), onde ocorreria uma apresentação de produtos na fábrica da chinesa GWM.
O sedã equipado com motor 1.0 turbo flex (128 cv) estava bem alinhado e com os pneus na pressão correta. Entre ida e volta, foram 340 km de viagem e 26 horas com o carro parado, ao custo de R$ 267,12. A devolução é sempre feita no mesmo local em que o veículo foi retirado.
O valor incluía descontos na tarifa. Essa é uma prática comum da Turbi, que constantemente oferece bonificações. Nesta segunda (30), a simulação de uma locação pelo mesmo período de um Volkswagen Nivus ficou em R$ 221,36. Se fosse considerado o tempo total, sem incluir taxas, a soma chegaria a R$ 676.
Na época do primeiro teste da Turbi, o contrato dizia que o carro deveria ser abastecido apenas com gasolina comum. Hoje, a determinação mudou.
"Aproveitamos os momentos de renovação e crescimento da nossa frota para focar na oferta de carros flex na operação para nossos clientes. A partir de 2023, toda a nossa frota se tornou flex", diz Diego Lira, CEO da Turbi. "A marca passou a sugerir o abastecimento com etanol, por ser um combustível menos poluente."
Independentemente do que estiver no tanque, a quantidade de combustível aparece na tela do aplicativo. O motorista deve devolver o automóvel com o mesmo nível, com uma margem de erro para mais ou para menos definida pelo bom senso.
A avaliação seguinte foi por um período mais longo, de cinco dias e cinco horas entre 25 e 30 maio de 2023. O carro escolhido foi um hatch Hyundai HB20 1.0 turbo com pouco menos de 5.000 km rodados. Estava limpo e sem danos aparentes, guardado na garagem de um flat na rua Indiana, novamente no Brooklin Novo.
Foram percorridos 450 quilômetros entre pautas pela cidade de São Paulo e uma viagem até Tatuí (interior de SP), para uma visita ao campo de provas da Ford. Entre bônus e descontos, o valor pago ficou em R$ 782,88.
Houve ainda gastos com pedágios, quitados por meio da tag instalada no para-brisa, com desconto direto no cartão de crédito cadastrado na plataforma. Na soma das duas viagens, foram R$ 1.084,11. O adicional de R$ 84,11 sobre o crédito concedido pela Turbi foi pago pela reportagem.
Em seguida vieram os carros da Awto. O foco passou para o compartilhamento em trajetos curtos, com retirada dos veículos na rua. O processo de abertura segue o mesmo rito: o motorista busca o carro pelo aplicativo, faz a reserva e tem 15 minutos para desbloqueá-lo e iniciar a viagem.
O Kia Stonic estacionado na rua Georgia foi o primeiro. Era o mais próximo naquele momento, a cerca de 500 metros do ponto em que foi feita a busca no aplicativo. A retirada ocorreu no dia 11 de junho de 2023, um domingo, às 17h45.
O carro foi encontrado limpo e com o tanque cheio, mas foi preciso calibrar os pneus: estavam com quatro libras a menos do que a pressão recomendada pela montadora sul-coreana.
Ao se escolher o carro, o aplicativo oferece estimativas de preço por minuto e por quilômetro, mas o valor final só foi exibido no fim da utilização do veículo. Para saber o gasto ao longo do uso, é necessário enviar mensagem para a Awto, que tem um canal de atendimento por WhatsApp.
Leonardo Bieberbach, CEO da empresa, diz que ainda não há previsão de exibir os valores diretamente no app, mas afirma também que é possível escolher diferentes opções do serviço.
"Lançamos recentemente produtos como o AwtoDias e o AwtoCredits, que reduzem drasticamente o custo da locação", afirma o executivo. "E dá para fazer um pré-cálculo pelo app."
O Stonic foi utilizado por um dia e meio, sendo estacionado na mesma rua em que foi retirado às 10h32 do dia 13 de junho de 2023. Mas poderia ter ficado em outra localidade, desde que a área constasse no mapa do aplicativo. Cabe ao motorista verificar se o local permite estacionar, considerando o horário.
O custo total ficou em R$ 386,38. Foram 158 minutos ao volante (34,8 km percorridos) e 2.290 minutos parado na garagem de casa. O tempo parado também é cobrado. Nesse caso, teria sido mais vantajoso optar por múltiplas locações em vez de ficar direto com o veículo.
A partir de então, os carros foram retirados para apenas um dia de uso. Foram diversas viagens curtas e bem espaçadas, sendo as últimas feitas no primeiro semestre de 2024. Em todas, foi sempre escolhido o modelo mais em conta disponível: o sedã compacto Chevrolet Onix Plus equipado com câmbio automático.
Um exemplo foi o trajeto percorrido no dia 14 de dezembro de 2023. O carro foi retirado na Rua Pascal, no Campo Belo (zona sul de São Paulo) às 9h47, e deixado na rua Ribeiro do Vale, Brooklin Novo, ao meio-dia. Foram percorridos 28,3 quilômetros, com uma parada de 29 quilômetros no bairro de Interlagos, também zona sul da cidade. O custo ficou em R$ 81,79.
Nesse caso, o carro estava bastante sujo por fora e com manchas no assento do carona, provavelmente devido à queda de algum líquido. Mas a pressão dos pneus estava correta, bem como o comportamento do carro.
"Temos equipes terceirizadas dedicadas, com roteirização interna que indica quais veículos devem ser limpos", explica Leonardo Bieberbach. "Toda limpeza é feita in-loco."
As equipes também monitoram onde os carros estão estacionados. Por exemplo: se o motorista estacionar à noite em um local permitido, mas a área se torna proibida ao amanhecer, um funcionário da Awto vai até o local para mudar o carro de posição.
Outra preocupação é com as fotos pedidas na hora de retirar ou desenvolver o carro, para evitar problemas para o usuário ou para a empresa. Pode ocorrer de o veículo estar estacionado em um lugar aparentemente perigoso.
"A Awto sugere que, em casos assim, o mais seguro é pular a etapa de reporte de estado do veículo clicando em 'seguir sem reportar'", diz o CEO da empresa. "Ao final da viagem, existe uma segunda oportunidade de mandar fotos, e caso algum dano não seja reconhecido pelo cliente, basta informar que não foi feito o reporte inicial em benefício da segurança."
Ao longo do período de avaliação, outros serviços foram agregados às plataformas Awto e Turbi, incluindo a possibilidade de aluguel de longo prazo. Ambas se mostraram práticas, mas cada uma com suas características.
A Turbi foi eficiente nos períodos mais longos, com a vantagem de exibir o valor e as promoções disponíveis de forma fácil. Já a Awto traz a facilidade de disponibilizar o carro na rua, embora a frota seja menor (650 veículos hoje, com previsão de 800 no fim do ano).