Taxonomia, ciência que identifica novas espécies, corre risco de extinção

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[RESUMO] A taxonomia, ciência que surgiu no século 18 com Lineu, enfrenta falta de investimentos e dificuldades em atrair jovens profissionais. Pesquisadores argumentam que, em um período de perda acelerada da biodiversidade do planeta em razão da crise climática, é necessário impulsionar pesquisas na área para fortalecer políticas de conservação.

Você talvez nunca tenha parado para pensar por que algumas espécies de organismos parecidos possuem nomes diferentes. Embora as definições do que torna uma espécie única em relação às demais sejam inerentes aos seres vivos, o processo de avaliação e designação delas faz parte da área da biologia conhecida como taxonomia. O taxonomista é o profissional que nomeia e cataloga as espécies.

A taxonomia surgiu no século 18 com Lineu. A proposta do naturalista sueco era classificar os seres vivos em diferentes grupos por afinidades anatômicas, dos mais inclusivos (como reino) para os menos inclusivos (como espécies). Para a espécie, Lineu desenvolveu um sistema de nomenclatura binário, com o nome de cada uma delas composto de um gênero e um epíteto específico em latim. Essa classificação biológica era feita com base nas características anatômicas dos indivíduos.

Passados mais de três séculos, a ciência evoluiu e agora existem outras ferramentas —como a inferência filogenética, o estudo das relações de parentesco entre as linhagens— aliadas à taxonomia na diferenciação das espécies.

"A taxonomia ‘alfa’ é basicamente a diferenciação, a caracterização das espécies. O seu objetivo é diferenciar a variabilidade intraespecífica, entre indivíduos e sexos, da variabilidade interespecífica (como as linhagens são geneticamente mais ou menos independentes entre si)", afirma Taran Grant, professor do Departamento de Zoologia da USP e curador-associado da coleção de anfíbios do Museu de Zoologia da universidade.

Um dos papéis dessa área é, ao dar "nomes aos bois", tornar objetivas as definições do que constitui uma espécie, o que pode orientar tanto estudos futuros quanto políticas de conservação.

Porém, é cada vez mais raro encontrar profissionais especializados na taxonomia no mundo: a profissão está em extinção. Alguns fatores, como a falta de recursos disponíveis para a descrição e a catalogação de espécies novas e o número menor de profissionais habilitados na área podem prejudicar o nosso entendimento sobre a real dimensão da biodiversidade existente na Terra.

"Estamos em um momento de crise [global da biodiversidade] e perdendo a habilidade de identificar, determinar as espécies de indivíduos coletados na natureza. A verdade é que o tipo de ciência que nós taxonomistas fazemos é lenta, demorada, e ela não concentra muitas citações. Às vezes, você espera um retorno de dez anos", argumenta Walter Boeger, coordenador do Programa de Pós-graduação em Ecologia e Conservação da UFPR (Universidade Federal do Paraná) e membro do comitê gestor do CFTB (Catálogo Taxonômico da Fauna Brasileira), cujo objetivo é catalogar todas as espécies de animais do país.

As citações mencionadas por Boeger se referem à quantidade de vezes que um artigo científico é referenciado por outros pesquisadores. Essa métrica é utilizada como parâmetro para avaliações dos cientistas, inclusive na hora de definir a distribuição de recursos.

"Mas, se você olhar quantos downloads foram feitos no site Tree of Life, que apresenta as classificações e as relações entre todas as espécies do mundo, a maioria dos IPs [endereços únicos de conexão à internet] são do Brasil", diz Grant. "Isso mostra que a taxonomia e a sistemática brasileiras ainda são muito fortes. O que falta é financiamento adequado."

Outro problema enfrentado é que, com novas ferramentas tecnológicas como a biologia molecular, que consiste no sequenciamento do material genético dos organismos, menos profissionais jovens têm se interessado pelo conhecimento taxonômico.

"Essa ideia de um taxonomista que senta sozinho no laboratório com uma lupa e só vê bicho acabou. A taxonomia hoje é internacional e multidisciplinar, com muitas ferramentas diferentes. Ao mesmo tempo, temos que manter um pé nessa tradição porque estamos construindo em cima de conhecimentos já existentes", afirma Grant.

Para Boeger, as novas ferramentas estão possibilitando a descrição das chamadas espécies crípticas, que não são facilmente distinguidas umas das outras, e a junção com análises moleculares e de distribuição podem alavancar o conhecimento. "Olha a quantidade de coisas que estão afetando o avanço desse conhecimento científico: a falta de recursos, a busca pela produtividade."

Considerando o esforço necessário para descrever todas as espécies vivas, a falta de profissionais representa uma ameaça para o avanço do conhecimento científico. Segundo estimativas, os cientistas já descreveram 1,7 milhão de espécies, mas é esperado que o número de espécies existentes na Terra seja de dez a cem vezes maior que isso.

Para se ter uma ideia do problema, o Brasil detém a maior biodiversidade do mundo. Segundo um levantamento de Henrique Pinheiro e Eduardo Dalcin (2024), foram descritas 218,5 mil espécies que vivem no território brasileiro, cerca de 12,8% de toda a biodiversidade conhecida no mundo, mas as descrições se concentram nos estados de São Paulo (18,7 mil), Rio de Janeiro (16,6 mil) e Amazonas (15,7 mil) —os dois primeiros têm o maior número de cientistas e o último está na Amazônia, onde se concentra a maior diversidade de seres vivos.

Existe um problema ainda maior: não é possível preservar o desconhecido. Para Grant, sem conhecer a biodiversidade, é impossível avaliar o seu potencial, inclusive para o nosso benefício. "Sabemos que estamos perdendo diversidade em uma taxa muito elevada [devido à ação humana e à mudança climática]. Por outro lado, diria que estamos apenas começando a conhecer a vida na Terra", diz.

Recentemente, pesquisadores dos Estados Unidos, da Austrália, do Brasil, da Bolívia, do Equador e da Venezuela descreveram uma nova espécie de sucuri-verde no norte da América do Sul. Tradicionalmente, ocorrem no Brasil três espécies de sucuris: a sucuri-verde (Eunectes murinus), com distribuição em quase todo o território da amazônia até o sul do pantanal, a sucuri-malhada (Eunectes deschauenseei), restrita à região mais oriental da bacia amazônica, e a sucuri-amarela (Eunectes notaeus), encontrada em partes da mata atlântica, do cerrado e do pantanal.

A análise do material genético de sucuris-verdes identificou uma nova espécie, a sucuri-verde-do-norte (Eunectes akaiyma), com uma diferença de cerca de 5,5% do DNA, embora, para quem olhe externamente, as distinções morfológicas sejam imperceptíveis.

A nova espécie, com distribuição no Equador, na Colômbia, na Venezuela, em Trinidad, na Guiana, na Guiana Francesa, no Suriname e possivelmente em uma faixa do Brasil, ainda carece de mais estudos que apontem a sua sobreposição com as outras três, definam seu potencial risco de extinção (E. murinus é classificada como de menor preocupação devido à sua área de distribuição abrangente) e permitam decidir se haverá uma nova classificação da IUCN (União Internacional para Conservação da Natureza).

Mudanças na classificação taxonômica devido a novas descobertas levam muitos ecólogos a criticar os taxonomistas, uma vez que uma mudança no nome de espécies pode implicar o enfraquecimento de políticas de conservação. No entanto, tais críticas podem ser infundadas, já que seria absurdo manter uma separação errônea entre as espécies só para garantir uma medida de proteção mais abrangente.

"Conhecer os organismos que nos rodeiam nos proporciona uma rica perspectiva sobre a diversidade e a complexidade da vida na Terra. Ao estabelecer meios para uma comunicação efetiva sobre a biodiversidade, a taxonomia fornece informações cruciais para a conservação", afirma a botânica Lúcia Lohmann, professora titular do Departamento de Botânica da USP e uma das maiores especialistas em taxonomia de plantas amazônicas do mundo.

Além das implicações para a conservação, a taxonomia pode ser uma importante aliada para a biologia aplicada, com potencial para uso humano. "A taxonomia nos permite explorar novos usos para a biodiversidade, incluindo novos medicamentos e novas fontes de alimento. Um melhor entendimento da biodiversidade também nos permite selecionar melhores espécies para projetos de reflorestamento, horticultura, biodesign e soluções baseadas na natureza", diz Lohmann, que acaba de ser indicada à presidência do Jardim Botânico de Missouri, em St. Louis, nos EUA.

Sem profissionais especializados em identificar, descrever e nomear as espécies, é de se esperar que grande parte desses saberes potenciais permaneçam desconhecidos.

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