O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) quer a aprovação do projeto do IR (Imposto de Renda) negociada com neutralidade fiscal (sem perda ou ganho de arrecadação), mas a proposta apresentada pelo Executivo de cobrar um imposto mínimo dos ricos enfrenta resistências no Congresso Nacional.
O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), sinalizou nesta terça-feira (18) com um corte de outros incentivos tributários para a compensar a elevação da isenção do IR (Imposto de Renda). Pela proposta, contribuintes que ganham até R$ 5.000 por mês ficarão 100% isentos.
Para tirar a medida do papel, o governo vai abrir mão de R$ 25,8 bilhões em receitas. Para compensar essa renúncia, o presidente propôs a criação de um imposto mínimo sobre a alta renda, que será cobrado de pessoas com ganhos a partir de R$ 600 mil anuais (o equivalente a R$ 50 mil mensais). A alíquota será progressiva, até atingir o patamar máximo de 10% para quem ganha a partir de R$ 1,2 milhão ao ano.
A proposta é uma promessa de campanha de Lula, um aceno claro à classe média num momento de queda de popularidade da gestão petista e uma bandeira histórica do PT de taxar o chamado "andar de cima" da sociedade brasileira.
Na cerimônia de envio do projeto, Motta defendeu a isenção como uma medida de justiça tributária e prometeu lealdade na tramitação, mas no seu discurso não citou nenhuma vez a taxação das altas rendas no Brasil —que alcançará a distribuição de dividendos recebidos por acionistas das empresas acima de R$ 50 mil por mês.
Em vez disso, sinalizou que os congressistas poderão discutir o corte de isenções tributárias. Ao lado do presidente Lula, Motta aproveitou para cobrar responsabilidade fiscal e maior eficiência da máquina administrativa, dois temas da pauta legislativa dos parlamentares do centrão.
"Queremos discutir mais. Queremos discutir a eficiência da máquina pública, discutir algo que possa trazer ao cidadão que mais precisa um serviço público de melhor qualidade, queremos discutir também pontos importantes no que diz respeito às isenções tributárias que hoje o Brasil tem", afirmou Motta.
Em resposta, o presidente da República afirmou que os parlamentares têm o direito de fazer alterações ao texto, mas também deu um recado: "Mudar para melhor, pode. Para piorar, jamais".
Em outro momento, Lula respondeu a Motta fazendo uma analogia com a profissão de médico, usada momentos antes pelo presidente da Câmara. "Você, que é um médico, não vá dar diagnóstico errado para o povo que está doente", disse.
Desde que assumiu a presidência da Câmara, Motta tem afirmado que a responsabilidade fiscal será uma prioridade em sua gestão. Em fevereiro, o deputado falou em um sentimento contrário na Casa à aprovação de projetos que possam elevar a carga tributária no país —já numa sinalização dessa resistência dos deputados com a taxação dos milionários.
Na cerimônia desta terça, Motta disse que Câmara e Senado vão trabalhar alinhados em torno do projeto. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), não compareceu ao evento no Palácio do Planalto, porque estava em sessão especial na Casa em homenagem ao ex-presidente José Sarney pelos 40 anos da redemocratização do Brasil.
Após a cerimônia, o senador divulgou nota à imprensa e falou em dar a devida atenção à matéria, "analisando-a com zelo e responsabilidade, sempre em busca de mais justiça social e de um Brasil mais próspero para todos".
A preocupação do mercado financeiro e da área econômica do próprio governo é que o Congresso acabe trocando a taxação dos milionários por medidas de corte de renúncias que, ao final, não garantam a compensação da perda de arrecadação.
Os parlamentares podem alterar as contrapartidas propostas pelo governo para a isenção do IR, indicando outras fontes de recursos. No passado, quando não houve acordo para a compensação da desoneração da folha de pagamentos, por exemplo, o caso foi parar no STF (Supremo Tribunal Federal).
Apesar do discurso da responsabilidade fiscal, propostas de cortes de isenções tributárias têm sido recorrentes no Congresso sem, no entanto, apresentarem resultados práticos por atingirem interesses diversos com força nos partidos com maiores bancadas.
Um parlamentar governista disse que o mesmo Legislativo que cobra responsabilidade fiscal do governo se queixa quando há contingenciamento do Orçamento em ministérios e represamento do pagamento de emendas parlamentares.
Um aliado de Lula na Câmara afirma ainda que muitos deputados e senadores têm resistência à medida proposta pelo Executivo, porque poderão ser atingidos pela incidência desse imposto mínimo. Esse mesmo deputado diz que ninguém irá se opor à proposta de isenção do IR em si, diante da possibilidade de gerar capital político junto às bases dos parlamentares, mas afirma que o Congresso poderá impor dificuldades para a sua tramitação.
O ministro Fernando Haddad (Fazenda) reforçou a necessidade de garantir a neutralidade fiscal. Para isso, defendeu uma negociação aberta com o Congresso. Ele não sinalizou pressa para a votação, mas o governo não quer que o projeto seja votado nos últimos dias do ano, como ocorreu com o pacote de contenção de gastos. Para entrar em vigor em 2026, o projeto precisa ser aprovado até o final do ano.
Braço direito de Haddad na Fazenda, o secretário-executivo, Dario Durigan, disse que o ideal é que a compensação seja feita com o imposto mínimo, sem uma colcha de retalhos, ainda que haja "alguma variante" em relação ao projeto original. "Tem um acordo, tem um entendimento para a gente seguir com a neutralidade fiscal", disse.
Folha Mercado
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Outro aliado de Haddad minimizou reservadamente o discurso de Motta. Ele diz acreditar que a Câmara pode tratar dessas propostas de forma complementar, sem deixar de lado a criação do imposto mínimo.
Um cardeal do centrão avaliou que a Câmara começará agora as conversas para escolha de um relator. Ele estimou que a discussão da matéria em si deverá durar no mínimo seis meses. O PP, por exemplo, tenta emplacar o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), que relatou a PEC (proposta de emenda à Constituição) da reforma tributária, como relator. O nome de Ribeiro, no entanto, não é consenso.
Além disso, um líder de partido de centro afirmou que há uma avaliação que a aprovação do projeto poderá gerar ganhos políticos para os parlamentares em suas bases eleitorais. Nesse sentido, ele diz que deputados e senadores vão querer ter protagonismo nesse processo —para evitar que esse ganho eleitoral fique restrito ao governo federal.