Entre 2021 e 2024, 4.462 servidores foram demitidos dos governos de São Paulo, Minas Gerais e do Rio de Janeiro, ou 0,4% em um universo de 1,02 milhão de profissionais. Em cada estado, esses trabalhadores são dispensados, sobretudo, em situações extremas, como abandono de cargo, ou quando estão sob regime contratual mais flexível, caso dos celetistas.
Para especialistas, o panorama revela que ainda falta regulamentar a avaliação da performance dos servidores, que permitiria dispensar aqueles com rendimento insuficiente.
Em Minas Gerais, por exemplo, 67% dos servidores foram demitidos depois de cometer infrações disciplinares consideradas graves, como corrupção e uso do cargo para obter vantagens. Já no Rio de Janeiro, 73% dos desligados estavam sob contrato CLT, a maioria vinculados à rede estadual de saúde.
Em São Paulo, 52% das demissões ocorreram por abandono de cargo ou após o servidor cometer infrações graves. O estado tem um único caso de um profissional exonerado em função de avaliação de desempenho.
Além disso, quase 48% das demissões aconteceram em órgãos que costumam contratar funcionários CLT, como hospitais vinculados às universidades paulistas. Nos dados do estado, não está discriminado o regime contratual desses profissionais.
As informações sobre desligamentos foram levantadas pela Folha via LAI (Lei de Acesso à Informação) para os três estados com maior número de servidores no Brasil –de 502 mil em São Paulo, 344 mil em Minas Gerais e 177 mil no Rio de Janeiro, segundo dados de cada governo.
As demissões entre 2021 e 2024 seguiram constância em Minas e no Rio, com uma média anual de 179 e 220, respectivamente. A exceção foi São Paulo, que dobrou a cifra de desligamentos de 561 por ano para 1208 em 2023, a maioria nos serviços voltados à população, como educação. Em 2024, o número de demitidos caiu para 532. Em nota, o governo afirma que, até este ano, 2.975 pessoas foram desligadas no governo paulista.
Minas Gerais é o único dos três estados a detalhar o total de demissões de servidores que saíram por não satisfazer as condições do estágio probatório, referente aos três anos iniciais depois de um servidor ser aprovado em concurso. Ao todo, foram 10%.
Já no Rio de Janeiro, 67% das demissões foram sem justa causa, todos de profissionais celetistas. Além dos CLT, 28% dos desligados eram estatutários civis e 2% eram militares.
O debate em torno das possibilidades de dispensa de profissionais públicos, com limitação da estabilidade, circula as discussões de rearranjo de pessoal em uma futura reforma administrativa.
"O baixo número de demissões é esperado porque não temos sistemas de gestão de desempenho institucionalizados no Brasil. A demissão vai se dar por critérios legalistas", afirma Cibele Franzese, professora de administração pública da FGV.
"O funcionário que afronta a lei não tem que estar na administração pública, mas isso não necessariamente melhora a eficiência. Só garante algum grau de compliance, mas nada ligado ao atingimento de resultados."
Avaliar a performance desses profissionais exige critérios claros, com base na entrega dos serviços públicos com os quais eles atuam, segundo especialistas. A demissão deve ser usada apenas como último recurso, depois que o profissional tiver uma pontuação baixa em várias avaliações.
Cada ciclo avaliativo deve durar pelo menos um ano, de acordo com Renata Vilhena, professora de gestão pública da FDC (Fundação Dom Cabral) e presidente do conselho do Instituto República.org. Ela diz que, para dispensar o servidor, seria necessário que ele tivesse um rendimento ruim por pelo menos três anos seguidos, mesmo após intervenção do gestor direto.
Os critérios para mensurar a performance devem ser baseados em indicadores de serviços, como o Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) ou o tamanho da fila para atendimento em saúde pública.
Tais dados seriam destrinchados por equipe, buscando entender como cada um pode contribuir para melhorar esses índices. A partir disso, as metas de cada servidor seriam definidas.
"Os critérios objetivos se dão por meio de indicadores, que devem estar alinhados com a estratégia de organização", afirma Renata. "Se o objetivo é melhorar o Ideb a cada dois anos, é possível desdobrar isso em equipes para analisar o quanto cada servidor está acompanhando essa meta."
Minas Gerais é o estado que mais se destaca na avaliação de desempenho, segundo especialistas, por ter regulamentado mecanismos que medem a performance do servidor.
No entanto, os critérios usados pelo estado não são objetivos ou diretamente ligados ao serviço público, de acordo com Renata.
O gestor verifica, por exemplo, se o servidor entregou produtos e projetos em acordo com a chefia ou se ele tem um bom desenvolvimento de competências. Ainda que esteja mais avançado que os demais estados, Minas não adota o formato ideal, segundo a professora da FDC.
O estado também é um dos únicos que demite servidores com baixo rendimento no estágio probatório. Esse período de três anos ainda permite mais flexibilidade para dispensar servidores por baixo desempenho. No entanto, mesmo esse mecanismo não é usado da forma que deveria, segundo a professora Cibele Franzese, da FGV.
Ela diz que a taxa de servidores efetivados no cargo após o estágio é muito alta, o que mostra a ausência de avaliações mesmo quando há espaço para dispensar por baixo rendimento.
"Isso poderia significar que os concursos são muito eficazes, mas é uma premissa difícil de acreditar, porque eles ainda são teóricos demais", afirma.
"A ideia é que no estágio seja possível medir [habilidades] e saber se aquele servidor de fato merece ser confirmado no cargo, não como um instrumento de punição, mas para garantir que vamos ter as melhores pessoas para prestar serviços."
Em nota, o governo de Minas Gerais afirma que estabilidade é assegurada pela gestão mineira e que a avaliação do desempenho vem sendo atualizada periodicamente.
Já a gestão de São Paulo diz que tem aprimorado iniciativas de avaliação de desempenho, incluindo bonificação por resultados na secretaria de Educação. O governo declara ainda que a estabilidade não implica em "permanência incondicional no cargo".
O governo do Rio afirma, em nota, que a estabilidade possibilita a continuidade de serviços públicos, mesmo com mudanças de gestão. Sobre avaliação de desempenho, a gestão diz que o mecanismo já é implementado no estado, com servidores que tiverem pontuações aquém do esperado sendo submetidos à capacitações.