No último ano, o Brasil ganhou um destaque que poucas vezes teve no cenário internacional de artes visuais. À Bienal de Veneza de 2024, organizada por Adriano Pedrosa, diretor artístico do Masp, o Museu de Arte de São Paulo, seguiu-se uma celebrada exposição de Tadáskia no MoMA, o Museu de Arte Moderna de de Nova York, e a maior mostra internacional de Regina Silveira, em Barcelona.
Agora em 2025, Adriana Varejão leva suas obras para mostras em Lisboa, Nova York e Atenas, enquanto Paris recebe uma ampla seleção de artistas brasileiros por ocasião do ano do Brasil na França, sendo a exposição mais comentada a do pintor Lucas Arruda, de 41 anos, um mestre das paisagens, no Musée d'Orsay.
Se o ótimo momento além-mar aumenta a moral e prova a qualidade do "made in Brazil", ele também deve impulsionar os negócios. Fernanda Feitosa, a fundadora da SP-Arte, a principal feira de arte do país, que abre nesta quarta a sua 21ª edição, comemora os mais de 70 colecionadores estrangeiros, patronos de museus internacionais e consultores de arte que desembarcam em São Paulo a convite de seu evento.
"Desde que voltamos da pandemia a gente não tem essa quantidade de pessoas marcando viagem, voltando para o Brasil. Isso é reflexo da exposição que essas pessoas no exterior tiveram à arte brasileira", diz Feitosa, em entrevista por vídeo, acrescentando que reservou alguns dos melhores hotéis da cidade para convidados da Alemanha, Austrália, Japão, Estados Unidos, França, Inglaterra e Argentina.
É com o inglês afiado, portanto, que 102 galerias de arte —sendo 12 estrangeiras— e 81 de design aportam no pavilhão da Bienal, entre quarta e domingo, no evento que mede a temperatura do mercado e marca de maneira extraoficial a abertura do calendário das artes no Brasil. Completam o elenco de expositores museus, espaços de arte independentes e editoras.
Feitosa argumenta que a atenção estrangeira para o Brasil se deve também à contínua participação de galerias do país, há mais de dez anos, em feiras internacionais. Não só na Arco Madri e na Art Basel Miami —primeiras opções de ponta para os empresários que podem pagar um estande—, mas também na mais distante Art Basel Hong Kong. A feira chinesa, no ano passado, recebeu as paulistanas Gomide&Co e Almeida e Dale, duas das galerias mais ricas do Brasil.
Mas vamos falar de negócios. Dados da edição de 2023 da SP-Arte, relativos a quase 900 obras vendidas por 35% das galerias que participaram naquele ano, mostram que mais da metade dos trabalhos comercializados —53%— custou até R$ 50 mil. Se observarmos a faixa entre R$ 250 mil e R$ 500 mil, a cifra foi de 7%. As obras mais caras, a partir de R$ 1 milhão, representaram apenas 4% das vendas.
Estes dados foram obtidos pela feira a partir da prestação de contas com o Estado. Até 2023, a SP-Arte oferecia isenção do ICMS, o Imposto Sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços, para as galerias do estado de São Paulo e as estrangeiras, o que tornava as obras de arte até 18% mais baratas. O benefício não pôde mais ser negociado com o governo, diz Feitosa, e por ora não há previsão de que volte.
Diante da ausência da ferramenta, a feira fica no escuro em relação aos dados de vendas, e passa a aferir os negócios "um pouco mais no sentimento", afirma Feitosa. Um bom sinal, ela conta, é quando os galeristas estão "alegres, rindo, saíram para tomar um vinhozinho no meio da tarde".
A concentração das vendas no tíquete de até R$ 50 mil indica que à feira vão muitos compradores eventuais de arte ou jovens colecionadores, com menos dinheiro para gastar em relação aos mais velhos. Tamara Perlman, diretora da SP-Arte, atenta para o fato de que boa parte dos frequentadores que circulam no evento têm entre 25 e 30 anos. Isso aponta, segundo ela, para uma renovação de público nas artes —"muitos campos da cultura não têm isso".
Ainda de acordo com Perlman, o público nesta faixa etária muitas vezes não compra nada, ou só tem verba para adquirir um múltiplo de museu —obras vendidas por instituições, com valores mais baixos por terem tiragens maiores—, um indício de que os jovens se interessam pelo colecionismo e podem se tornar consumidores de arte.
Para se ter ideia de valores, Inhotim terá à venda uma fotografia do indígena Paulo Desana por R$ 1.500, da qual foram impressas 50 cópias. Já o Museu de Arte Moderna de São Paulo leva à feira múltiplos de diversos artistas, dentre os quais uma gravura de Cristiano Lenhardt, com tiragem de cem exemplares, por R$ 2.200.
Por outro lado, não faltarão novidades para quem tem um cartão de crédito sem limite. Estreante na SP-Arte, a recém-aberta e muito hypada galeria Yehudi Hollander-Pappi, com um elenco de artistas mais conceituais, terá disponível uma instalação de Juliana Frontin, artista que trabalha com o som, por R$ 35 mil, e uma escultura em granito preto absoluto de Renata Haar por R$ 280 mil.
Na faixa de preço mais alta, a partir de R$ 1 milhão, a Flexa, do Rio de Janeiro, que monta seu estande pela primeira vez na feira, mostrará somente mulheres, com quadros de Adriana Varejão e Yayoi Kusama. Também estarão presentes outras casas voltadas aos super-ricos, como Almeida & Dale, Fortes D'Aloia & Gabriel, Paulo Kuczysnki e Mendes Wood DM.
Esta SP-Arte terá novamente um estande de Rafael Moraes, que trabalha exclusivamente com joias desenhadas por artistas, a um só tempo obras de arte e peças de design para vestir. O joalheiro vai expor uma coleção que Di Cavalcanti criou nos anos anos 1960 para seu amigo Lucien Finkelstein produzir e comercializar em sua loja, com anéis, colares e broches em ouro, esmalte e pedras preciosas.
"A sofisticação, a qualidade do acabamento e a esmaltagem dessas peças atingem um patamar de requinte que poucas vezes se alcançou na joalheria brasileira", escreve Moraes no catálogo da mostra, livreto que será distribuído na SP-Arte. As joias saem a partir de R$ 70 mil.
Feitosa argumenta que o mercado de arte brasileiro é robusto, com colecionadores históricos e uma produção de artistas locais de alta qualidade. Ainda assim, ele representa somente 0,89% do mercado de arte global, segundo um estudo publicado neste ano pela Abact, a Associação Brasileira de Arte Contemporânea, entidade que representa 60 galerias de arte contemporânea.
Ainda é cedo para prever se esta porcentagem vai apontar para cima nos próximos anos, mas, caso o atual interesse estrangeiro pelo "made in Brazil" se traduza em negócios nesta e nas próximas feiras, dá para imaginar que sim.