'Sofia Foi' embaralha fato e ficção em filme independente celebrado em festivais

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Existe um desafio em se representar o que deixou de existir. Toques e experiências são objetos de matéria fugidia, mas curiosamente atraídos pela câmera. É nesse universo que "Sofia Foi" opera, movido menos por um traçado de começo, meio e fim que pelo estado emocional da protagonista-título.

De marca em marca, Sofia tenta se manter como tatuadora nos corredores da Universidade de São Paulo. Despejada do apartamento em que vivia, ela deixa seu legado sobre outros corpos, atormentada por memórias enquanto se aproxima dos últimos momentos de sua vida. O filme parte de vivências da própria atriz, Sofia Tomic.

"É um projeto que surge muito do documental e que, ao longo da produção e dos anos que a gente passou montando, foi se tornando fictício. O título foi motivo de debate durante muitos anos. Acabou fazendo sentido para demarcar um momento que ficou registrado na vida. Eu fui aquilo, seja verdade ou mentira", diz Tomic, que divide o roteiro com Pedro Geraldo.

Celebrado em diferentes festivais dentro e fora do Brasil, a produção espontânea teve um processo diferente das que costumam ser acolhidas pela Sessão Vitrine Petrobras, pela qual o filme chegou aos cinemas nesta semana.

"Nós não tínhamos um roteiro determinado. Eu pedi para Sofia fazer uma lista de situações que ela queria passar. Aí ela escreveu que queria passar frio, queria sentir medo, queria dançar. A gente foi construindo isso junto com os espaços e as pessoas da universidade que surgiam no caminho", afirma Pedro Geraldo, que assina seu primeiro longa.

Geraldo explica que o projeto se inspirou em notícias sobre alunos que perderam suas vidas na USP, interrompidas tragicamente. "Para mim era muito difícil entender como isso pode acontecer. Entender que é uma possibilidade ser jovem, estar se preparando para sua vida adulta e algo inexplicável acontecer e você perder a vida."

A ideia nunca foi esclarecer essa perdição. Surgia o desejo de explorar seus conflitos e estar com aquela personagem. Acompanhar suas últimas conversas, suas últimas testemunhas e ocupar os espaços que a receberam por um último instante.

"Sinto que esse filme é quase o meu diploma. Não quero falar por todos. Mas muitos atravessam essa dificuldade tendo uma universidade pública como a USP. De lidar com um espaço que é quase uma terra de ninguém", diz Tomic, que apresentou o filme na 27ª Mostra de Cinema de Tiradentes, em janeiro, no dia em que foi jubilada da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU-USP). "Isso pode ser muito fértil e permite duas pessoas fazerem um filme sem autorização de uso de imagem, por exemplo. Mas, ao mesmo tempo, tem todo esse vazio e essa sensação de abandono."

Surgia um projeto artesanal concebido a quatro mãos. A narrativa ia se moldando enquanto Geraldo escolhia as posições de câmera e Tomic selecionava os espaços de seu habitat. "A filmagem durou cerca de 13 dias, e a gente foi rodando aos poucos", explica Geraldo, dizendo que o estado emocional deles definia os planos.

Da decisão de capturar novos materiais, anos depois da primeira rodada de filmagens, à importância que o festival francês FIDMarseille teve para o projeto — primeiro a recebê-lo, no ano passado, onde foi laureado como melhor primeiro filme—, o longa atravessou diversos processos e sua equipe aumentou durante a trajetória.

Sócia fundadora da Tanto, empresa especializada em marketing audiovisual, a coprodutora Marina Kosa se juntou ao filme próxima à conclusão da montagem, e auxiliou na sua distribuição. Ela cita a sessão em Tiradentes como exemplo da força do filme no Brasil e que levou a equipe a acreditar cada vez mais em sua circulação.

"Tem gente que está feliz com o filme só passar em festivais. Enquanto produtores, estamos sempre buscando maneiras de fazê-lo chegar em mais pessoas e ser visto, seja com um lançamento comercial ou diversas outras formas", diz Kosa.

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