Apenas sete estados contam com leis que visam ampliar a proteção contra assédio sexual de servidores. Nesses locais, os estatutos de profissionais públicos vão além do código penal, conceituando quais são atos inapropriados para o ambiente de trabalho e explicitam punições para o trabalhador que praticá-los.
No geral, estatutos preveem penalidades para profissionais que cometem crimes contra o Estado, como corrupção. Esses regulamentos não foram pensados para proteger servidores que tenham sido vítimas de violência por parte de outros membros da administração pública, segundo a advogada Myrelle Jacob, doutoranda em direito constitucional pelo IDP (Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa).
Ter uma regulamentação específica para servidores é uma forma de preencher lacunas do código penal contra o assédio e especificar maneiras de lidar com esses casos no setor, de acordo com a advogada, que também é especialista em enfrentamento ao assédio na administração pública.
Ela diz que, no código penal, esse crime tem um conceito mais restrito, o que dificulta a identificação dos casos. Falta, por exemplo, explicar o assédio por intimidação, em que uma pessoa constrange a outra com ações ou comentários de conotação sexual.
"É importante que haja proibições expressas dos tipos de assédio, senão a denúncia do servidor ou da servidora vai depender de interpretação", diz ela. "Isso gera insegurança jurídica para a vítima e uma despadronização do resultado entregue a quem apresentou denúncias."
Dos sete estados que contam com leis sobre o tema, três proíbem a prática em leis esparsas e quatro, no regime jurídico único, que determina regras de trabalho do servidor público. Os dados são de levantamento do portal República em Dados, do Instituto República.org, voltado à gestão de pessoas no serviço público.
Folha Mercado
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O Amazonas tem uma das legislações mais avançadas nesse sentido, de acordo com Myrelle. Em vigor desde 2021, a lei de combate ao assédio sexual na administração pública especifica os atos enquadrados no crime, como toques inapropriados e convites insistentes e não solicitados.
A lei amazonense também prevê penalidades para o agressor, após conclusão do PAD (processo administrativo disciplinar). Além de advertência e exoneração, ele também pode ter que pagar até R$ 5.000 a serem revertidos ao Fundo Estadual de Saúde.
Neste ano, o Pará foi o último estado a alterar o estatuto do servidor para incluir o assédio sexual como conduta proibida. Segundo a lei, o profissional que cometer o crime pode ter que ressarcir a vítima, dependendo da gravidade do caso.
Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Distrito Federal e Rio Grande do Sul são os outros estados que preveem em lei especificações sobre assédio sexual.
Mas mesmo nesses governos ainda faltam avanços, de acordo com Myrelle Jacob. Nos estatutos do servidor faltam, por exemplo, regras para proteção imediata da vítima de assédio que garantam sua segurança ao longo da investigação e do processo administrativo. A única medida é o afastamento temporário do agressor por 60 dias, se o caso chegar à corregedoria.
Outro desafio é a dificuldade para produzir evidências em casos de assédio.
"Quando tratamos de crimes de ordem patrimonial, existe um tipo de prova. Mas em infrações ligadas à violação da dignidade sexual, é um tipo completamente distinto. É preciso, por exemplo, dar uma valoração diferente à palavra da vítima. Mas não há previsão de nada disso no âmbito do PAD", declara Myrelle.
Publicado no ano passado, um estudo encomendado pela República.org e coordenado pela advogada identificou que até no governo federal ainda existem dificuldades para dar seguimento a denúncias de assédio. Segundo a pesquisa, apenas 21% desses casos no Executivo foram punidos, sendo que 9,4% resultaram em demissão para o agressor.
Para Myrelle, estados devem se basear no protocolo de julgamento com perspectiva de gênero do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) para dar prosseguimento aos processos. Isso inclui a valoração da palavra da vítima e sua proteção durante o depoimento.
Há estados com legislação mais avançada que também contam com iniciativas de conscientização sobre o tema. É o caso do Mato Grosso, cujo programa de integridade tem como um dos objetivos o combate ao assédio sexual.
Lá, o total de casos foi de oito em 2018 para 39 neste ano, segundo dados da CGE (Controladoria Geral do Estado). De acordo com Paulo Farias Nazareth Netto, secretário da pasta, o governo do estado analisa esses episódios com objetivo de desenvolver práticas de prevenção.
"Nós olhamos esses processos para identificar se foi por falta de treinamento, de conhecimento, se não fizemos uma boa triagem na seleção desse servidor. Depois, emitimos recomendações para os órgãos fazerem correções nas causas e evitarem que o problema ocorra de novo."
Já no Distrito Federal, foi aprovado neste ano um decreto que implementa a política de prevenção e enfrentamento ao assédio moral e sexual na administração pública, que vai incluir capacitação de servidores sobre o tema e adoção de estratégias para prevenir casos.
Também serão feitas periodicamente pesquisas sobre clima organizacional e de assédio nas instituições distritais.