Silvia Fendi parte de suas memórias para criar coleções do centenário da grife

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"Quando você é menina, vê as coisas de forma diferente", diz à Folha Silvia Venturini Fendi, ao revisitar sua infância. Surgem portas gigantescas, divãs e lustres, compondo um ateliê. "Eu sempre estava pronta para ir ao trabalho com a minha mãe, em vez de querer ir à escola", afirma.

Embora não compreendesse a grandiosidade da Fendi, já percebia a magia daquele universo. Sua mãe, Anna, e suas quatro tias estavam imersas nele. Não era apenas de um negócio de moda, mas uma família, da qual ela representa a terceira geração.

Ao contrário das tradicionais casas centenárias, a Fendi não nasceu das mãos de um costureiro parisiense no auge da alta-costura. Antes de fundar a empresa ao lado do marido, Edoardo Fendi, em 1925, Adele Casagrande Fendi, avó de Silvia, viajou à Toscana para criar bolsas, seus primeiros produtos.

Após conquistar reconhecimento pela alta qualidade, a marca introduziu estolas de peles nobres. Com a aprovação da Convenção de Washington de 1975, que regulamentou o comércio de espécies ameaçadas, Adele inovou ao lançar o primeiro tecido substituto para peles naturais.

Embora a marca seja famosa por utilizar materiais como raposa e zibelina, sua busca por inovação levou à adaptação de técnicas refinadas e ao uso da pele de carneiro, um subproduto da indústria alimentícia. O resultado, que já foi visto na coleção de inverno deste ano, surpreende tanto na aparência quanto no toque, similar a vison.

Em 1965, Karl Lagerfeld iniciou sua colaboração com a grife, e o ateliê da Via Borgognona, em Roma, tornou-se um lugar onde sonho e realidade se fundiam no imaginário de Silvia. No auge do cinema italiano, a entrada principal se tornou frequente para nomes como Federico Fellini, Franco Zeffirelli e Mauro Bolognini, além de musas como Sophia Loren e Monica Vitti.

As mesmas portas duplas de madeira foram revividas no cenário de celebração do primeiro centenário da marca, em 26 de fevereiro, em Milão. A diretora criativa de acessórios e linha masculina, que também assumiu a feminina para a ocasião, buscou em suas memórias pessoais o significado do que é a marca.

"Muitas referências vieram à minha mente, mas, acima de tudo, fui cuidadosa para não ser excessivamente específica", diz Silvia, que evitou o acervo da marca nessas novas criações. "Penso que peças de arquivo não devem estar na passarela, mas, sim, em museus ou guardadas", afirma ela, que batizou a coleção de "Flashback and Fast Forward".

O único vínculo estético ao passado foi o visual usado pelos seus netos de sete anos, que abriram as portas, simbolizando as memórias da avó, no início do desfile. Tratava-se de uma réplica do look criado por Karl Lagerfeld para Silvia, que, na época, com seis anos, desfilou e foi fotografada para a campanha de outono-inverno de 1967-1968.

"Nesse dia, entendi o verdadeiro tamanho da Fendi. Estava tão envolvida, senti a adrenalina e disse para mim mesma que queria fazer parte disso e seguir os passos da minha mãe", lembra ela, que imagina esse mesmo impacto nos netos, que saíram correndo para os braços da mãe, Delfina Delettrez Fendi, diretora artística de joalheria da grife.

Ao som de trechos de Ornella Vanoni, Mina, Patty Pravo e Franco Battiato, os modelos saíram para cruzar o cenário do desfile no Spazio Fendi, locação de seus desfiles e sede em Milão desde 2013. Silvia comandou poucas coleções femininas, mas, quando o fez, a fórmula se manteve clara: uma feminilidade extrema, equilibrando sensualidade, elegância e o glamour tipicamente romano.

Segundo ela, não se trata de ser provocativa, mas de mostrar o corpo com naturalidade. Essa ideia também se aplica aos homens. "Gosto de misturar referências dos estilos femininos e masculinos, criando mulheres com peças mais severas, como jaquetas masculinas, mas contrastando com uma peça inferior brilhante. Da mesma forma, camisas feitas de renda para eles", afirma.

"Muitos pensamentos estão conectados à forma como fui criada. Vivi rodeada de mulheres fortes que, profissionalmente, enfrentavam desafios em um universo predominantemente masculino", diz. Por isso, a dose de feminilidade está na silhueta limpa, mas ajustada, ora com cintos, ora em uma brincadeira de contrastes que destaca os bordados preciosos e o uso de transparências. Com uma pitada de Lagerfeld, claro.

Afinal, foi o estilista que fez o convite para Silvia se juntar a ele na direção artística, em 1992, após um período no Brasil. "Decidi escapar para o Rio de Janeiro nos anos 1980, longe da moda e das minhas responsabilidades de trabalho. Me senti quase uma local e agora olho para aquele tempo com saudade", afirma.

Com a volta a Roma, decidiu começar a trabalhar diariamente na Fendi, mas em uma segunda linha. "Minha irmã, minha prima e eu fundamos a Fendissime, em 1987, o que foi uma ótima oportunidade para começarmos algo sem a presença constante de nossas mães", diz ela, que, após a experiência com Lagerfeld, assumiu a direção de acessórios, em 1994, e, então, das coleções masculinas.

"A Fendi tem um poder alquímico. Não só para quem carrega o sobrenome, mas também para as pessoas que trabalham conosco. São pessoas de ossos fortes. É só ver o tempo que Karl trabalhou na marca", comenta. Foram 54 anos, a relação mais duradoura entre um estilista e uma grife.

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