Shows de Margareth Menezes, que custaram R$ 640 mil a prefeituras, geram debate sobre ética pública

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A ministra da Cultura, Margareth Menezes, foi contratada para uma série de shows durante o Carnaval deste ano, em eventos pagos pelas prefeituras de Salvador e Fortaleza. As apresentações, realizadas durante as férias da ministra, custaram R$ 640 mil ao todo, somando o cachê da artista e os gastos com produção logística.

A notícia despertou críticas por Menezes ter sido paga com dinheiro público, ainda que o episódio não tenha sido avaliado como ilegal pelo Comitê de Ética Pública, o CEP, que a artista consultou antes de aceitar os trabalhos.

A prefeitura de Fortaleza contratou a empresa Pedra do Mar Produções Artísticas, representante de Margareth Menezes, no valor de R$ 350 mil, para que a cantora se apresentasse no Ciclo Carnavalesco 2025, através da Secretaria Municipal da Cultura.

Já a prefeitura de Salvador contratou a empresa pelo valor de R$ 290 mil para que a cantora se apresentasse no dia 2 de março deste ano, no Carnaval.

A Folha entrou em contato com as prefeituras, que não especificaram quanto destes valores eram destinados ao cachê da artista. Como ministra, o valor bruto do salário de Menezes é fixado, em 2025, em R$ 46 mil por mês, ao longo deste ano, como para outros ministros de Estado.

O MinC afirma que a atuação artística da ministra no Carnaval "foi em conformidade com as leis e normas estabelecidas, com total transparência e respeito aos recursos públicos" e lembra do despacho da CEP. Diz também que não houve uso de recurso federal e que os municípios têm autonomia para utilizarem recursos próprios.

A ministra foi pelo menos duas vezes à CEP para verificar se havia conflito de interesses e, em janeiro deste ano, o entendimento do comitê foi de que não havia caso a ministra fosse contratada como cantora por entes privados ou por estados e municípios sem o uso de verbas federais —incluindo verbas provenientes de mecanismo federais de fomento, como a das leis Rouanet, Paulo Gustavo e Aldir Blanc.

Como representante máxima do Ministério da Cultura, porém, Menezes lida constantemente com prefeitos e governadores, além de órgãos municipais de gestão cultural. No caso dos recursos das leis Aldir Blanc e Paulo Gustavo, o dinheiro da União é executado pelos demais entes federativos.

Há ainda os comitês de cultura, que estão sob o guarda-chuva no MinC, mas têm atuação local. Frutos da atual gestão, foram alvo de denúncias sobre pressões eleitorais atuando sobre eles. Na esteira dessa crise de imagem que atravessa o MinC, foram feitas convocações para esclarecimentos no Congresso, representação junto ao Tribunal de Contas da União, e um pedido de CPI.

O episódio dos shows levanta questões para além da seara administrativa e jurídica e pode criar debates sobre o simbólico e político das apresentações. Conrado Hübner Mendes, professor de direito constitucional da Universidade de São Paulo, vê problemas no fato da ministra seguir sua carreira privada, assim como era, para ele, errado no caso de Gilberto Gil, que foi ministro da Cultura entre 2003 e 2008.

"Acho isso eticamente muito questionável. Não é só simbólico. O fato de a Comissão de Ética Pública ter decidido não encerra a discussão jurídica", afirma Hübner Mendes, que é colunista da Folha. "Do ponto de vista realista, é difícil achar que alguém vai judicializar isso, mas acho profundamente questionável do ponto de vista ético e legal."

Marcos Augusto Perez, professor de direito do estado da USP, discorda. "Se a legislação autoriza que ela trabalhe excepcionalmente, dada a função desempenhada como ministra, e se ela preencheu os requisitos que a credenciam para esse trabalho excepcional fora da função de ministra, não há um problema legal", afirma.

Na avaliação de Perez, a comissão decidiu corretamente. "Se houvesse manejo de verbas federais, poderia ser alegado conflito de interesses e, até mesmo, desvio de poder. No mais, se trabalhou, e poderia fazê-lo, deve receber pelo trabalho."

Em nota, o MinC afirma que a carreira artística de Menezes precede sua nomeação como ministra e, por isso, "não há qualquer indício de que o exercício da sua atividade artística traga benefício indevido ao cargo ou interfira na imparcialidade de suas funções públicas".

Segundo a nota, as críticas da oposição são "mais uma tentativa de criar um clima de desinformação do que uma questão real de legalidade, moralidade ou simbólica". "A cultura sempre foi um alvo, bem como as mulheres, especialmente as negras, em posições de poder", segue o texto.

De acordo com o despacho da comissão de ética, "deve-se diferenciar a mera relação contratual entre artista e ente público da caracterização de conflito de interesses". Segundo o documento, para que houvesse conflito de interesses, seria necessário que o evento ou entidade contratante fossem subordinados a alguma decisão administrativa do Ministério da Cultura, "ou que houvesse alguma relação de influência decisória da ministra sobre o ente contratante, o que não se verifica nesse caso".

Para Hübner Mendes, esse trecho revela uma "distorção cínica da noção de conflito de interesses".

Segundo Perez, ética é um conceito muito aberto. "O importante é que haja impessoalidade, essa é a verdadeira ética ou moralidade da administração pública", diz. "Se o município for privilegiado em algo porque contratou a ministra, temos um caso. Mas não dá para presumir que isso aconteça. Tem que haver evidências de desvio." Para ele, porém, "abriu-se uma janela para questionamentos futuros", diz.

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