O ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro, 55, afirma que a eleição e o viés protecionista do presidente eleito Donald Trump poderão abrir oportunidades para o Brasil caso o republicano cumpra promessas de criar barreiras para produtos importados.
O Brasil é importante exportador de carne para os norte-americanos e compete com os EUA na venda de grãos para os países asiáticos.
"Quanto mais [Trump] exagerar na dose, mais oportunidades eu vejo para o Brasil", afirma Fávaro. O ministro diz ainda que o Brasil tem ampliado seus mercados para o agro por meio de novos acordos comerciais e que prepara uma renovação da Embrapa, estatal de pesquisas para o setor.
Donald Trump venceu nos EUA e faz ameaças de aumentar tarifas para importados. Fomos beneficiados no primeiro governo dele com a guerra comercial contra a China, para a qual ampliamos mercado no agro. O que espera deste segundo governo Trump? Nossas exportações de carnes para os EUA podem sofrer?
rump tem, de fato, um discurso protecionista. Mas, na minha avaliação, é mais a retórica do que fato. O mundo real é diferente do que se tenta impor em campanhas eleitorais, onde se afloram mais os instintos. As dificuldades na hora de governar são outras.
Mas ele vai, sim, buscar um protecionismo. Mas, quanto mais exagerar na dose, mais oportunidades eu vejo para o Brasil. Os dois últimos anos foram muitos importantes para o Brasil nessa área, com reestabelecimento de boas relações diplomáticas, de amizade com outros países. O presidente Lula fez 20 viagens internacionais. Eu fiz acho que 24 ou 25. Minha equipe fez 30, e os resultados são impressionantes.
É a reconexão do Brasil com o mundo. Não vamos ficar com picuinha com os EUA porque é Trump ou porque é [Joe] Biden, ou porque a mulher do [Emmanuel] Macron é mais bonita ou mais feia, ou porque a ideologia, como num negócio com um comunista chinês, não interessa. O regime político da China interessa, e é boa a relação diplomática.
Isso nos deu grandes oportunidades. Nós queremos manter e vamos manter a boa relação com os Estados Unidos, com a União Europeia. Queremos continuar e terminar o acordo Mercosul-Comunidade Europeia.
Se o Trump endurecer, nós já estamos com um fortalecimento do Sul Global [outro termo para se referir a países emergentes], das relações com os Brics. Temos gente [em outros mercados]. Imagina: Índia, China, agora a entrada de países do Oriente Médio. Temos consumo, dinheiro e produtos. E temos paz e segurança de entrega.
Veja a Ucrânia, que é um grande provedor de alimentos da Europa e do mundo, mas está em guerra. Aqui não tem isso. Em qualquer tipo de movimentação política ou geopolítica, seja protecionismo ou guerra, há oportunidades que podem cair no nosso colo.
Os chineses estão ensaiando diversificar fontes de alimentos, inclusive fala-se em abrirem áreas de plantio de 10 milhões de hectares na África. Como isso pode afetar o Brasil, o maior parceiro daquele país?
Xi Jinping [líder chinês e secretário-geral do Partido Comunista] vem agora para América do Sul. Antes de vir ao Brasil, vai ao Peru inaugurar o porto de Chancay [a 70 km de Lima]. Você acha que o porto de Chancay é para comprar produto peruano? É para fortalecer as relações com a América do Sul, e o grande provedor desse porto será o Brasil.
A relação com a China certamente vai crescer e vai gerar oportunidades. Agora, tem um dado interessante também. A relação comercial tem que ser plural. A nossa venda, por exemplo, de carne de suína para a China caiu muito nos últimos dois anos em função de ter passado a crise sanitária da peste suína deles.
Nos anos 2022, 2021, vendemos demais, muito, muito mesmo, de suínos para a China. Quando eles saíram da crise sanitária, claro, diminuiu a compra. Eles diminuíram em 130 mil toneladas no ano passado a compra de suínos.
Só que isso foi compensado, porque nós aumentamos 66 mil toneladas para Filipinas, 36 mil toneladas a mais para o Japão e 19 mil toneladas para o Chile.
É o que digo. Se o Trump brigar com a China, nós vamos aproveitar.
Em entrevista à Folha, o ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues criticou o governo Lula por não fechar acordos mais sólidos com grandes mercados, como China e Índia. Como o sr. responde?
Isso já está acontecendo na prática. Veja que, quando nós assumimos, só em plantas frigoríficas havia 12 embargadas para a China. O governo Bolsonaro deu conta de fechar. Não precisamos nem de dois anos, porque em março foi a última leva, e agora vai ter uma nova ampliação.
Te dou um spoiler. Estamos na iminência de ter mais ampliações de frigoríficos habilitados. Nesse período, nós habilitamos 43 novas plantas e, das 12 embargadas, 11 já foram liberadas.
O Brasil também passou a ser o maior vendedor de algodão do mundo. Nós abrimos o mercado de algodão para o Egito, não porque o Egito compra muito. É porque nós ganhamos a equivalência. O algodão egípcio não é o melhor do mundo? Se o Brasil vende para o Egito, ele tem o melhor algodão do mundo.
E temos rastreabilidade de boas práticas, e o algodão brasileiro é sustentável em todos os aspectos. Somos agora o maior fornecedor de algodão para a China.
E os acordos? O que o sr. diria sobre ter acordos mais amarrados, formais?
Aí temos um problema. O que a China quer para ampliar esses acordos? A oportunidade para a indústria chinesa. E aí você acaba de destruir a indústria brasileira. Então, temos que levar em conta esse contrabalanço.
O presidente Lula fala isso a toda hora. Um bom comércio é aquele equilibrado, em que você vende e compra. Só que se a gente abrir muito para com China, nós vamos destruir a indústria brasileira. Então, temos que ir dosando isso. Mas estamos fazendo com muita sabedoria.
E a Índia, outro grande mercado, sobretudo para os produtos pulse [leguminosas secas, como feijão, ervilha, lentilha e o grão-de-bico]. Como estão as tratativas e qual o potencial?
É espetacular. Porque a Índia está enriquecendo, não na velocidade chinesa, mas é um grande potencial. E o primeiro passo do bem-estar de um cidadão é se alimentar melhor. Para a Índia, não vamos lá vender carne bovina, óbvio [vacas no país são consideradas encarnações de divindades]. Apesar de que lá têm 200 milhões de muçulmanos que consomem carne bovina. Mas não é esse o foco. O foco lá é mesmo o pulse.
É vender gergelim, grão-de-bico, feijão. E vamos vender genética. O ministro da pecuária indiano se emocionou ao ver o que o Brasil tem em genética para melhorar o rebanho indiano.
Levei uma comitiva para lá e fizemos um acordo de gergelim, de grão-de-bico e eles também querem feijão preto. Conectei o pessoal e disse para voltarem para a Índia, que o mercado está pronto.
É um processo gigante. Estamos abrindo mercado de açaí em pó por lá também. Imagina cair no gosto. Não comem carne bovina? Estamos tentando devagar introduzir frango. Eles me disseram que são autossuficientes. Não! Eles são desnutridos. Consumo per capita 3,6 quilos ao ano. Não é nada.
As pesquisas da Embrapa [Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária] foram fundamentais para o Brasil alcançar a atual posição no agro global. Alguns especialistas dizem que a empresa está sem verba, sem planejamento estratégico para o futuro. O que o sr. diz?
A Embrapa fez 51 anos. Mas não será essa Embrapa que vai nos levar ao futuro. Todos os elogios do passado, merecidos. Mas precisamos de uma modernização. A Embrapa que tem que ser planejada hoje é a que vai nos mostrar o que produzir e como produzir pelos próximos 50 anos.
Vindo de um governo em que explicitamente e de forma equivocada o Paulo Guedes [ex-ministro da Economia de Jair Bolsonaro] mandava em tudo, ele se envolveu também dentro da Embrapa. A Embrapa não tinha mais dinheiro para pesquisas e o governo anterior determinou que ela que corresse atrás da iniciativa privada.
A Embrapa virou uma mera empresa de gestão de RH. Pegava o dinheirinho, o salário, pagava a folha de pagamento, um mínimo de manutenção, para trocar lâmpada, fazer uma pinturinha, um encanamento, abastecer o carro, a manutenção.
Volta o governo presidente Lula e colocamos a Embrapa de volta no PAC. R$ 1 bilhão para voltar a investir na pesquisa em um período de quatro anos. Não é muito, mas virou a chave. Voltou a investir.
Também concordo que a iniciativa privada tenha que participar, mas não pode ficar só a mercê dela, que busca o lucro rápido, fácil. A iniciativa privada procura a Embrapa para coisas imediatas, mas o estratégico continua tendo que ter a participação do poder público.
Nós estamos fazendo um modelo híbrido. E a gestão já está em implementação. Você tem noção de quanto a Embrapa recebe de pagamento de royalties pelos desenvolvimentos que ela já fez e estão vigentes nesse momento? Algo entre R$ 30 milhões e R$ 40 milhões por ano. Isso é vergonhoso.
Vamos trabalhar para compartilhar. Vamos fazer com que 50% do investimento da iniciativa privada fique para a Embrapa, para continuar se modernizando. Junto com o governo. O governo coloca a iniciativa privada; tudo que é arrecadado, [dividido] meio a meio. Metade para os servidores, para os colaboradores. Dando 20% para o próprio pesquisador e 30% para todo o grupo.
Teremos uma empresa pública estimulada, renovada. É uma estratégia. E já está avançado. Vamos dotar de orçamento para melhorar, porque está sendo sucateada. Nós estamos tirando um atraso de quatro anos.
RAIO-X CARLOS FÁVARO, 55
Filiado ao PSD, é ministro da Agricultura e Pecuária e senador pelo Mato Grosso, estado em que foi vice-governador de 2015 a 2018. Foi vice-presidente da Associação dos Produtores de Soja do Brasil e presidente da Associação dos Produtores de Soja e Milho do Mato Grosso. Também atuou como secretário de Meio Ambiente de Mato Grosso.